Há questões mais importantes do que ir
directamente aos salários dos gestores, como se isso fosse a única causa de
todas as fraudes e da má gestão, há outras formas de construir um novo
paradigma
Em tempos idos e já quase esquecidos, em pleno
Janeiro de 1975, numa grande empresa portuguesa o poder sindical instou os
quadros superiores e de gestão a recusar os prémios, então conhecidos como os
envelopes de gratificação, em nome de um certo igualitarismo. Como os gestores,
devido à pressão social, se inclinassem a recusar os prémios, o principal
accionista da empresa decidiu despedi-los com um argumento de peso: “Se não são
capazes de defender os seus próprios interesses dificilmente defenderão os
interesses dos accionistas”. Já nessa altura predominava o valor para o
accionista como determinante último da gestão. Claro que não foram despedidos e
o accionista é que acabou por ficar sem a empresa. Na geometria variável dos
interesses que os gestores têm de atender surgem sempre novos constrangimentos,
que fazem parte do seu job e é para isso que se ‘inventaram’ os gestores.
Agora é a publicitação das remunerações dos
executivos de empresas cotadas em Bolsa ou em que o Estado detenha uma participação,
que é feita em nome da transparência e de uma moral retributiva isenta de
ganância e cupidez, é o Santo Graal de um mundo mais perfeito nas empresas e na
sua relação com o mundo. Acredita-se que, na sua bondade, esta regulação evite
os excessos. A medida é positiva, no entanto, era bom que não se esquecessem os
chamados efeitos perversos.
Em 1993, os reguladores federais
norte-americanos obrigaram as empresas a revelar pela primeira vez as
remunerações de topo. Como refere Dan Ariely, em Previsivelmente Irracional, “a ideia era de que, depois destes
serem públicos, as administrações teriam mais relutância em conceder ordenados
e benefícios escandalosos. Esperava-se assim parar o crescimento das
indemnizações executivas, que nem a regulação, a legislação ou a pressão dos
accionistas soubera conter”. De facto em 1976 um CEO médio ganhava 36 vezes o
salário de um trabalhador médio e em 1993 era 131 vezes mais. E o que aconteceu
depois da legislação? Em 2008, o CEO médio ganha 369 vezes mais do que um
trabalhador médio. Mas, como conclui Dan Ariely, “em vez de provocar vergonha,
cada nova indemnização escandalosa incita os restantes CEOs a exigir mais ainda”.
Até porque o que comanda os mercados é o valor para o accionista não é o
interesse da empresa ou dos stakeholders.
Este exemplo de Dan Ariely mostra que não há um
kit mágico de soluções para estes problemas. Colocar-se a questão dos pacotes
de remuneração dos gestores como a pergunta chave para o modo como queremos
entender e fazer funcionar as empresas no futuro torna a discussão meramente
populista.
Como dizia recentemente ao Financial Times, o Prémio Nobel da Economia, Edmundo Phelps, “cometemos
um erro se pensamos que basta o retorno às regras do bom governo das empresas”
para se iniciar um novo caminho depois desta catarse. Há outras questões mais
decisivas. E estas são sobretudo: “que tipo de sistema financeiro interessa”, “como
é que se pode incentivar a inovação nos negócios”, “como é que feita avaliação
dos gestores (por que não ser objecto de relatório a divulgar pelos accionistas
e restantes stakeholders?)”, “como é que é feita a avaliação da performance das
empresas e das instituições”? Enfim não recalcar nem divinizar o dinheiro.
Filipe S. Fernandes
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