terça-feira, 8 de janeiro de 2013

Os empresários vistos pelos escritores vii

Alfredo da Silva e os escritores, Manuel Vinhas e Luiz Pacheco


Por sua vez, Alfredo da Silva, uns dos rutilantes empresários portugueses, não foi motivo para muitas obras literárias, perpassa mais nas memórias de alguns escritores. Joaquim Paço d`Arcos referencia-o nas suas  “Memórias” ao descrever o seu casamento, para o qual o dono da CUF foi convidado: «uma assistência numerosa, reunião mundana, fardas rútilas, casacas sóbrias, toilettes vistosas de senhoras. No fundo da capela o industrial Alfredo da Silva, sem resguardo  pela solenidade decorrente. E o som grave do órgão não abafava, inteiramente o metal da sua voz irreverente a baralhar negócios e maldizer». Aliás, foi em Alfredo da Silva que o escritor se iria inspirar para a personagem Costa Vidal, um industrial e banqueiro que surge na peça de teatro “O Cúmplice” e na série de romances que viriam a constituir a Crónica da Vida Lisboeta. Esta personagem tem «algo do grande lutador» e «sem a sua obesidade e sem a sua truculência (...) desempenha no mundo capitalista um papel semelhante e tem a fibra com que o dirigente da CUF construiu um império». De facto, segundo o escritor, Alfredo da Silva tinha um «feitio chicaneiro» que no entanto não apagava as suas «grandes qualidades de industrial dinâmico e empreendedor».
Como nos anúncios da focopiadoras, muitas vezes, a cópia suplanta o original, é uma  das forças do “kitsch”. José Gomes Ferreira dá nota da surpresa no seu diário, “Dias Comuns I - Passos Efémeros”, de súbito, o grande capitalista incorpora os traços da “charge” neo-realista. Escreve em nota de 4 de Junho de 1966: “Diante da Fábrica de  Tabaqueira, em Albarraque , os deuses do neocapitalismo triunfante ergueram uma estátua solene ao Capital de Sempre na forma de Alfredo da Silva . É o símbolo mais grosseiro que vi, até hoje, virado para o Sol: um homem empertigadamente gordo e grosso, de fraque, bengala na mão direita e charuto (sim, CHARUTO!) na mão esquerda. Uma autêntica caricatura de bronze insolente como que saída dos primeiros romances neo-realistas que, pelo visto, não são tão inventados como se nos afiguram agora, em pleno momento de idílio sórdido do neo-socialismo (desossado do marxismo) com o neocapitalismo...”. Está muita próxima da descrição do homem mais rico em A Floresta de Sophia de Mello Breyner: “este era um homem atarracado e feio com duas grossas bochechas de sapo que tremiam dos dois lados da cara. Toda a gente na cidade sabia que ele não se interessava pelo dinheiro”. 
Curiosa é a relação, mecenática, entre o empresário Manuel Vinhas e o escritor Luiz Pacheco, conhecido pela sua crónica falta de dinheiro. Como se escreve em “Mano Forte”, um recolha de cartas e postais de Luiz Pacheco, este refere que a edição a “Crítica de Circunstância” seria “paga pelo dr. Vinhas, da Portugália, cervejas”. Estávamos em dezembro de 1964. Sete anos depois, Luiz Pacheco dedicava-lhe a primeira edição dos seus “Exercícios de Estilo”. Em 1975, quando Manoel Vinhas tinha os seus bens nacionalizados e vivia no Brasil, Luiz Pacheco escreveu: “do mecenas Manoel Vinhas falo pelo que me toca. Durante aos, mais de dez, auxiliou-me em dinheiros, renda de casa pontualmente paga, bolsa de estudo em livros, máquina de escrever, a minha charrua, oferecida. Sem em conhecer pessoalmente, apenas alertado para a minha difícil situação económica por um Amigo comum”.

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