domingo, 13 de janeiro de 2013

A hegemonia do discurso dos negócios


Facto interessante é a disseminação do discurso dos negócios aos universos políticos, culturais e sociais.
A linguagem é um bom guia do espírito do tempo que passa, tanto no que revela como no que oculta. Funciona como espelho e manifestação do inconsciente. Como é o caso hoje da disseminação da linguagem dos negócios aos universos políticos, culturais, pessoais e sociais, o que também se explica pela profunda e complexa crise que atravessamos.
Este discurso que os protagonistas dos negócios têm sobre a realidade, a sua mundividência, desenha uma nova relação de forças e mostra, com grande evidência, o que o semiólogo Tzvetan Todorov escreveu: “tirania neoliberal caracteriza-se por uma concepção de a economia como uma actividade inteiramente separada do social, que deve escapar ao controlo político”.
De facto, os últimos tempos têm sido férteis em expressões que revelam que há um universo económico-financeiro que se permite olhar para o espaço em volta e ignorar a realidade social mais crua como, por exemplo, o desemprego. Ouça-se António Viana Baptista, segundo o Jornal de Negócios (19-3-2012), sobre a entrada de investimentos estrangeiros: “Não vão criar muitos empregos. Vamos viver um período de desemprego elevado durante muito tempo, e isso não quer dizer que não se tenha êxito”. O responsável pelo Crédit Suisse ibérico deu o exemplo da Irlanda que tem uma taxa de desemprego alta, mas criou “um sistema fiscal bastante melhor”.
Há mais exemplos desta linguagem em que o negócio e o resultado económico parecem estar acima de qualquer outro interesse, como se o facto de o investimento ser privado o ungisse de bondade e, por sua vez, o interesse público (que cabe ao Estado defender) fosse uma coisa nefasta. Muitas vezes, este discurso surge com uma rudeza de linguagem que parece inibir qualquer pensamento crítico e alternativo. Escute-se Isabel Vaz, CEO da Espírito Santo Saúde, numa citação retirada do Negócios Online de 16-3-2012: “Não precisamos de nada do Estado, não preciso que o Estado me dê doentes. Só preciso que o Estado não me chateie”. Sobre este à vontade na linguagem refira-se a expressão de António Borges: “Há uns investidores interessados em investir em Portugal e investir umas 'massas' valentes”. Mas não é a só aparência e a aspereza de discurso directo – a chamada linguagem terra a terra- que está em causa porque não se trata de responder a uma questão prática. A leitura que a linguagem dos negócios faz da realidade e o modo como se sobrepõe enquanto modelo explicativo a todos os outros discursos, faz dela uma linguagem hegemónica e dominante.
Filipe S. Fernandes

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