Facto interessante é a
disseminação do discurso dos negócios aos universos políticos, culturais e
sociais.
A
linguagem é um bom guia do espírito do tempo que passa, tanto no que revela
como no que oculta. Funciona como espelho e manifestação do inconsciente. Como
é o caso hoje da disseminação da linguagem dos negócios aos universos
políticos, culturais, pessoais e sociais, o que também se explica pela profunda
e complexa crise que atravessamos.
Este
discurso que os protagonistas dos negócios têm sobre a realidade, a sua
mundividência, desenha uma nova relação de forças e mostra, com grande
evidência, o que o semiólogo Tzvetan Todorov escreveu: “tirania neoliberal
caracteriza-se por uma concepção de a economia como uma actividade inteiramente
separada do social, que deve escapar ao controlo político”.
De
facto, os últimos tempos têm sido férteis em expressões que revelam que há um
universo económico-financeiro que se permite olhar para o espaço em volta e
ignorar a realidade social mais crua como, por exemplo, o desemprego. Ouça-se
António Viana Baptista, segundo o Jornal de Negócios (19-3-2012), sobre a
entrada de investimentos estrangeiros: “Não vão criar muitos empregos. Vamos
viver um período de desemprego elevado durante muito tempo, e isso não quer
dizer que não se tenha êxito”. O responsável pelo Crédit Suisse ibérico deu o
exemplo da Irlanda que tem uma taxa de desemprego alta, mas criou “um sistema
fiscal bastante melhor”.
Há
mais exemplos desta linguagem em que o negócio e o resultado económico parecem
estar acima de qualquer outro interesse, como se o facto de o investimento ser
privado o ungisse de bondade e, por sua vez, o interesse público (que cabe ao
Estado defender) fosse uma coisa nefasta. Muitas vezes, este discurso surge com
uma rudeza de linguagem que parece inibir qualquer pensamento crítico e
alternativo. Escute-se Isabel Vaz, CEO da Espírito Santo Saúde, numa citação
retirada do Negócios Online de 16-3-2012: “Não precisamos de nada do Estado,
não preciso que o Estado me dê doentes. Só preciso que o Estado não me
chateie”. Sobre este à vontade na linguagem refira-se a expressão de António
Borges: “Há uns investidores interessados em investir em Portugal e investir
umas 'massas' valentes”. Mas não é a só aparência e a aspereza de discurso
directo – a chamada linguagem terra a terra- que está em causa porque não se
trata de responder a uma questão prática. A leitura que a linguagem dos
negócios faz da realidade e o modo como se sobrepõe enquanto modelo explicativo
a todos os outros discursos, faz dela uma linguagem hegemónica e dominante.
Filipe
S. Fernandes
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