Os romancistas portugueses contemporâneos
escusam-se à abordagem do mundo económico e financeiro e fogem à virulência de
um Ramalho Ortigão que nas suas As Farpas
execrava o industrial, e numa carta aberta retratava-o como “parvenu
pretensioso e rídiculo”, “ambicioso inepto”, “marido de uma pateta que quer ser
baronesa”, “pai de um imbecil que quer ser marialva”. Há, porém, em O Anjo Ancorado de José Cardoso Pires,
um olhar sage do sobre o mundo dos negócios: “a burguesia de 1900 que, em caso
de falência, punha luto e deixava crescer as barbas, suava honra como
termo-chave, termo sagrado, como termo-tipo.(...) Ah, mas o pior veio depois.
Vieram duas guerras, nada menos que duas, e logo à primeira, com a subida à
Banca de candongueiros e novos-ricos, o termo foi-se. À segunda guerra, pior.
Os candongueiros que estavam defenderam-se á custa de leis e de aparatos de
interesse público dos candongueiros que queriam vir. E passaram a usar palavras
mais de raposa e menos lobo: correcto, capaz, prestigioso, termos em que não se
empenha tanto a moral do indivíduo”.
Mas na obra de um escritor também pode estar
inscrita as mudanças que perpassam pelo mundo. Como dizia António José Saraiva,
os versos de Correia Garção (1724-1773), como leitura “pouco interesse actual de facto oferecem”
mas têm um grande “significado histórico-literário”. Neles se podem vislumbar
“os novos costumes assinalam já a presença de nova gente na direcção da
sociedade, a erosão subterrânea, invisível mas profunda, dos velhos costumes
feudalizantes” e “ burguesia portuguesa
está, sem dúvida, a surgir na história com a fisionomia que a caracterizará
durante cerca de dois séculos”.
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