quinta-feira, 3 de janeiro de 2013

Os empresários vistos pelos escritores v


Entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975 deu-se uma Revolução económica com a nacionalização de milhares de empresas. Olga Gonçalves em Ora esguardae, que pretende ser o registo em directo dos tempos pós-25 de abril, tem uma única frase que se pode relacionar com as alterações de propriedade e de estatuto social do empresário: “O cabrão do patrão cavou com a massa, e a gente que se desenrasque”, diz uma das personagens. Em 1976 Luís Represas, voz do grupo Trovante, cantava os versos de Francisco Viana: “O homem que explora o homem/ chamem-lhe empreendedor/ é um homem lobo do homem/ é mesmo explorador”.
Em alguns livros de António Lobo Antunes sente-se a presença, uma espécie de coro grego narrativo que nos assoma com pormenores, de uma família, que é uma autêntica saga dos negócios financeiros portugueses. Tem de tudo. Amor ódio, paixão, saber, trabalho, traição, livros antigos, cheques de reis emoldurados. É, contudo no Tratado das Paixões da Alma que se pode vislumbrar o tempo em que, por ausência de grandes e mediáticos magnates, as FP-25 exerciam a sua violência sobre obscuros gestores médios de empresas públicas ou privadas. No livro, porém, descreve-se o atropelamento de um banqueiro pelo grupo de acção armada : “E o cavalheiro imaginou a cadela de coleira vermelha ou o banqueiro barrigudo, de pasta na mão, a atravessarem sem pressa, para o portão da moradia, a rua de plátanos do Estoril, e o jipe conduzido pelo Sacerdote a arrancar de súbito da esquina, a crescer, de faróis acesos, no alcatrão que o reflexo das folhas assemelhava a uma lâmina de água, imaginou o ruído dos travões e a ebulição do motor, imaginou o banqueiro a encolher-se ainda, de palmas abertas, recuando uma passo...”.
Vergílio Ferreira prefere o registo profético. Em Nome da Terra coloca na boca de um agitador de consciência, Salus, um manifesto contra a depredação, sobretudo a capitalista, onde ressoa a célebre comparação de Freud de que o dinheiro seria mais excremento que oiro. Diz Salus: “mas falo mesmo dos tubarões do capital, banqueiros atolados em moedas que são as fezes, o excremento da ganância e da vileza, grossos empresários que quereis empresariar o mundo, o céu com a vossa fumarada, as almas com as vossas cadeias e os rios e os peixes deles com a vossa matéria excrementícia”.
Os romances na voz das suas personagens também disseminam pequenas lições de gestão. Não são as buzzwords que fazem a riqueza dos chamados gurús e consultores, mas pequenas lições de bom senso. O Avô, comerciante e personagem Tocata para Dois Clarins de Mário Cláudio, recorre ao navio, metáfora antiga, que já encapelava a República de Platão, para dar uma pequena lição de gestão: “Dirigir um estabelecimento é como tripular um navio, certificando-se a gente de que lado sopram os ventos, da direcção da agulha de marear, do estado das marés, da disciplina da equipagem, do nível de funcionamento das geringonças que, sem nunca parar, vão labutando, na casa das máquinas, e só assim, meus amigos, sob o plácido olhar do Grande Arquitecto do Universo, é que conseguiremos atingir o porto seguro”.

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