Entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de
1975 deu-se uma Revolução económica com a nacionalização de milhares de
empresas. Olga Gonçalves em Ora esguardae,
que pretende ser o registo em directo dos tempos pós-25 de abril, tem uma única
frase que se pode relacionar com as alterações de propriedade e de estatuto
social do empresário: “O cabrão do patrão cavou com a massa, e a gente que se
desenrasque”, diz uma das personagens. Em 1976 Luís Represas, voz do grupo
Trovante, cantava os versos de Francisco Viana: “O homem que explora o homem/
chamem-lhe empreendedor/ é um homem lobo do homem/ é mesmo explorador”.
Em alguns livros de António Lobo Antunes
sente-se a presença, uma espécie de coro grego narrativo que nos assoma com
pormenores, de uma família, que é uma autêntica saga dos negócios financeiros
portugueses. Tem de tudo. Amor ódio, paixão, saber, trabalho, traição, livros
antigos, cheques de reis emoldurados. É, contudo no Tratado das Paixões da Alma que se pode vislumbrar o tempo em que,
por ausência de grandes e mediáticos magnates, as FP-25 exerciam a sua
violência sobre obscuros gestores médios de empresas públicas ou privadas. No
livro, porém, descreve-se o atropelamento de um banqueiro pelo grupo de acção
armada : “E o cavalheiro imaginou a cadela de coleira vermelha ou o banqueiro
barrigudo, de pasta na mão, a atravessarem sem pressa, para o portão da moradia,
a rua de plátanos do Estoril, e o jipe conduzido pelo Sacerdote a arrancar de
súbito da esquina, a crescer, de faróis acesos, no alcatrão que o reflexo das
folhas assemelhava a uma lâmina de água, imaginou o ruído dos travões e a
ebulição do motor, imaginou o banqueiro a encolher-se ainda, de palmas abertas,
recuando uma passo...”.
Vergílio Ferreira prefere o registo profético. Em Nome da Terra coloca na boca de um
agitador de consciência, Salus, um manifesto contra a depredação, sobretudo a
capitalista, onde ressoa a célebre comparação de Freud de que o dinheiro seria
mais excremento que oiro. Diz Salus: “mas falo mesmo dos tubarões do capital,
banqueiros atolados em moedas que são as fezes, o excremento da ganância e da
vileza, grossos empresários que quereis empresariar o mundo, o céu com a vossa
fumarada, as almas com as vossas cadeias e os rios e os peixes deles com a
vossa matéria excrementícia”.
Os romances na voz das suas personagens também
disseminam pequenas lições de gestão. Não são as buzzwords que fazem a riqueza dos chamados gurús e consultores, mas
pequenas lições de bom senso. O Avô, comerciante e personagem Tocata para Dois Clarins de Mário
Cláudio, recorre ao navio, metáfora antiga, que já encapelava a República de Platão, para dar uma pequena
lição de gestão: “Dirigir um estabelecimento é como tripular um navio,
certificando-se a gente de que lado sopram os ventos, da direcção da agulha de
marear, do estado das marés, da disciplina da equipagem, do nível de
funcionamento das geringonças que, sem nunca parar, vão labutando, na casa das
máquinas, e só assim, meus amigos, sob o plácido olhar do Grande Arquitecto do
Universo, é que conseguiremos atingir o porto seguro”.
Sem comentários:
Enviar um comentário