Nos
seus textos de opinião, o historiador Vasco Pulido Valente utiliza a sua visão
de longo prazo e o conhecimento adquirido por ofício para registar, às vezes,
como se fosse um antropólogo cultural, a visão social, política, histórica,
axiológica e cultural do empresário. Mais do que a sua opinião, estas reflexões
funcionam como um jogo de espelhos. Parte do pressuposto de que no fundo
cultural comum de Portugal predominam ainda os valores de cultura camponesa
pobre: “falido, estagnado e arcaico, Portugal precisa que o levem à força e à
má cara para o mundo real, que os portugueses detestam. Os valores de uma
cultura camponesa pobre, como a nossa, são a segurança e a rotina. Nada mais contrário
ao que nos propõem: a iniciativa, a competição, o risco”. Num outro texto, reforça
e invoca a ausência de uma revolução industrial que assim preservou: “uma
cultura camponesa, ainda hoje visível no típico empresário indígena, ou, por
exemplo, em hábitos quase universais, como o de ignorar o moderno mecanismo
chamado “relógio”.” Por isso não surpreende que “como não temos empresários, ou
os que há são poucos e maus, é difícil que comecem a aparecer grandes quantidades
de empresários bons”.
Os
empresários portugueses não se dissociam do fundo cultural comum, e que é o seu
campo de acção natural, em que o Estado predomina e impõe as suas regras,
gerando por um lado o desejo de protecção, e por outro, o favorecimento do medo
e a submissão. “O medo move a Confederação da Indústria Portuguesa como o último
empregado do último serviço do mais miserável ministério. O santo medo do
patrão que faz de Portugal este país pacífico e ordeiro que o mundo admira”,
escreveu Vasco Pulido Valente.
O
Estado e a inveja
Tudo
isto faz dele um ser mítico, uma espécie de unicórnio: “Cavaco disse
constantemente na campanha que a primeira preocupação dele seria ajudar,
promover e proteger essa criatura mítica “o empresário moderno português”, que um
dia nos tirará das garras da miséria”. O drama nacional é que há uma associação
virtuosa entre empresários e o desenvolvimento económico, tanto mais que este “depende
muito pouco do Governo e quase tudo de empresários que não investem ou, quando
investem, não investem como deviam. Como vai o Eng. Sócrates, por exemplo,
arranjar empresários que não existem? O Presidente supunha que a sua presença bastaria
para os fazer brotar como cogumelos”.
Nesta
mundivisão de Vasco Pulido Valente sobre os empresários portugueses há ainda
dois outros temas recorrentes. Primeiro, a relação dos empresários com o
Estado: “quando as coisas correm bem, os senhores empresários portugueses
protestam persistentemente contra a intrusão do Estado nos seus negócios. Quando
as coisas correm mal – como qualquer operário, “artista” ou funcionário público
– os senhores empresários portugueses pedem ao Estado a sua salvação. Nisto, os
senhores empresários portugueses são mesmo portugueses. Não se limitam a exigências
razoáveis (o alívio da burocracia, a reforma fiscal ou a reforma das leis
laborais), esperam da suposta omnipotência do poder uma intervenção decisiva.
Desde o seu trémulo princípio que o capitalismo português, como nenhum outro na
Europa, viveu da protecção do Estado, de que recebeu privilégios sem fim. Não
vale a pena contar essa longa história em que o PREC foi a excepção e não a
regra. Infelizmente parece que o hábito ficou”.
Em
segundo lugar, surge a inveja, a irritação e a concomitante caça aos políticos,
aos ricos e aos empresários. “Era fatal que o empobrecimento do país (mais rápido
do que previa a ingenuidade do cidadão distraído) provocasse uma ou outra forma
de caça às bruxas das muitas que a cultura indígena costuma produzir. Os
políticos costumam servir de primeiro alvo: porque usam o poder (que se imagina
enorme) em seu próprio benefício e porque exploram e desprezam o povo. Os ricos
(mesmo sem dinheiro) são o segundo alvo, sobretudo se andaram na política,
porque se fizeram fatalmente à custa da pobreza do próximo. E, em versões mais
sofisticadas, também aparece, como terceiro alvo, o horrível empresário
português, que vive da protecção e do favor do Estado, foge do risco e não cria
verdadeira riqueza. Dantes também se perorava muito contra os funcionários
públicos, que hoje, protegidos pelo número, gozam de uma certa imunidade”.
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