domingo, 27 de janeiro de 2013

O empresário português e Vasco Pulido Valente (texto integral)



Nos seus textos de opinião, o historiador Vasco Pulido Valente utiliza a sua visão de longo prazo e o conhecimento adquirido por ofício para registar, às vezes, como se fosse um antropólogo cultural, a visão social, política, histórica, axiológica e cultural do empresário. Mais do que a sua opinião, estas reflexões funcionam como um jogo de espelhos. Parte do pressuposto de que no fundo cultural comum de Portugal predominam ainda os valores de cultura camponesa pobre: “falido, estagnado e arcaico, Portugal precisa que o levem à força e à má cara para o mundo real, que os portugueses detestam. Os valores de uma cultura camponesa pobre, como a nossa, são a segurança e a rotina. Nada mais contrário ao que nos propõem: a iniciativa, a competição, o risco”. Num outro texto, reforça e invoca a ausência de uma revolução industrial que assim preservou: “uma cultura camponesa, ainda hoje visível no típico empresário indígena, ou, por exemplo, em hábitos quase universais, como o de ignorar o moderno mecanismo chamado “relógio”.” Por isso não surpreende que “como não temos empresários, ou os que há são poucos e maus, é difícil que comecem a aparecer grandes quantidades de empresários bons”.
Os empresários portugueses não se dissociam do fundo cultural comum, e que é o seu campo de acção natural, em que o Estado predomina e impõe as suas regras, gerando por um lado o desejo de protecção, e por outro, o favorecimento do medo e a submissão. “O medo move a Confederação da Indústria Portuguesa como o último empregado do último serviço do mais miserável ministério. O santo medo do patrão que faz de Portugal este país pacífico e ordeiro que o mundo admira”, escreveu Vasco Pulido Valente.

O Estado e a inveja
Tudo isto faz dele um ser mítico, uma espécie de unicórnio: “Cavaco disse constantemente na campanha que a primeira preocupação dele seria ajudar, promover e proteger essa criatura mítica “o empresário moderno português”, que um dia nos tirará das garras da miséria”. O drama nacional é que há uma associação virtuosa entre empresários e o desenvolvimento económico, tanto mais que este “depende muito pouco do Governo e quase tudo de empresários que não investem ou, quando investem, não investem como deviam. Como vai o Eng. Sócrates, por exemplo, arranjar empresários que não existem? O Presidente supunha que a sua presença bastaria para os fazer brotar como cogumelos”.
Nesta mundivisão de Vasco Pulido Valente sobre os empresários portugueses há ainda dois outros temas recorrentes. Primeiro, a relação dos empresários com o Estado: “quando as coisas correm bem, os senhores empresários portugueses protestam persistentemente contra a intrusão do Estado nos seus negócios. Quando as coisas correm mal – como qualquer operário, “artista” ou funcionário público – os senhores empresários portugueses pedem ao Estado a sua salvação. Nisto, os senhores empresários portugueses são mesmo portugueses. Não se limitam a exigências razoáveis (o alívio da burocracia, a reforma fiscal ou a reforma das leis laborais), esperam da suposta omnipotência do poder uma intervenção decisiva. Desde o seu trémulo princípio que o capitalismo português, como nenhum outro na Europa, viveu da protecção do Estado, de que recebeu privilégios sem fim. Não vale a pena contar essa longa história em que o PREC foi a excepção e não a regra. Infelizmente parece que o hábito ficou”.
Em segundo lugar, surge a inveja, a irritação e a concomitante caça aos políticos, aos ricos e aos empresários. “Era fatal que o empobrecimento do país (mais rápido do que previa a ingenuidade do cidadão distraído) provocasse uma ou outra forma de caça às bruxas das muitas que a cultura indígena costuma produzir. Os políticos costumam servir de primeiro alvo: porque usam o poder (que se imagina enorme) em seu próprio benefício e porque exploram e desprezam o povo. Os ricos (mesmo sem dinheiro) são o segundo alvo, sobretudo se andaram na política, porque se fizeram fatalmente à custa da pobreza do próximo. E, em versões mais sofisticadas, também aparece, como terceiro alvo, o horrível empresário português, que vive da protecção e do favor do Estado, foge do risco e não cria verdadeira riqueza. Dantes também se perorava muito contra os funcionários públicos, que hoje, protegidos pelo número, gozam de uma certa imunidade”.

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