Nos anos 30/40, na Ford
Company, o riso era objecto de sanção disciplinar. Como se recordarão muitos
gestores e trabalhadores portugueses de milhares de empresas nacionais em que a
mudez era (é?) de ouro e o riso e o bom humor demoníacos. Uma reminiscência
monacal em que se considerava que o riso, que era uma forma de romper
subversivamente essa passividade, seria uma das tentações do demónio para
desviar os monges do caminho da oração.
Nas organizações do
conhecimento, o humor terá, sem dúvida, um papel importante. Para já, até se
utilizam os “sketches” de humor para explicar aos caixas de um supermercado
como ser simpáticos/as (e se por que não sedutores/as?) naqueles segundos em
que estão frente a frente com o cliente. Isto é em formação porque ainda não se
fizeram os Gestores da Alegria, uma espécie de palhaços que irromperiam nos
conselhos de administração, nas assembleias-gerais de empresas, no quotidiano
das empresas, para lhes darem uns momentos de boa disposição. Embora isso já
aconteça com as chamadas happy hours, reuniões em ambiente outdoor, e, em
congressos sectoriais já é usual aparelharem speakers de grande peso em dólares
com humoristas de grossos cachets. E já empresas que albregam e promovem os
seus palhaços, embora normalmente estes contem piadas mas tenham a alma negra
do Joker do filme Batman.
As empresas lidam mal
com o humor. Não é um defeito seu nem é um seu exclusivo. O humor está muito
próximo da subversão e, por isso, sempre que se impõe uma hierarquia, que tem
os seus códigos e os seus papéis, os seus ritos e os seus rituais, o humor
torna-se (e toma-se) por uma ameaça. Mas o humor pode ser uma fonte
importante para se fazer passar mensagens, se meditar nos erros, suavizar
embaraços e más decisões, comentar laços nas equipas. O humor pode servir para
se dizer as verdades de forma mais agradável ou até para se demolidor. Jack
Welch que durante 20 anos liderou a General Electric costumava referir-se à
organização “sloaniana”, que durante impregnou a General Motors, como a que a
tinha “a face virada para o CEO e o rabo para o cliente”.
O humor como ferramenta
de gestão não é de fácil manuseamento por parte das organizações. Mas para medir
a malha de humor das empresas bastaria disseminar pelas ordens de serviço,
recomendações, directrizes os pequenos cartoons que vêm nas duas páginas
mensais da Harvard Business Review, nas tiras de Dilbert ou de Luís Afonso ou
vídeos da série The Office. Há pérolas como a história que permite explicar
que, muitas vezes o negócio tem uma lógica que nem sempre é a lógica do
negócio. Mas é uma história que não pode chegar aos ouvidos dos nossos
responsáveis pela Cultura. A história intitula-se “Relatório de um Consultor em
redimensionamento após ter assistido à Sinfonia Incompleta de Schubert”. E diz
o seguinte: “durante períodos relativamente longos, os Oboés não tocam nada. O
seu número devia portanto ser reduzido e o trabalho respectivo distribuído por
toda a orquestra, por forma a evitar picos de ineficiência. Os 12 violinos tocavam
exactamente o mesmo. Isto é uma duplicação desnecessária pelo que o staff
deveria ser drasticamente reduzido. Se é só por uma questão de obter maior
volume isso poderá conseguir-se com um amplificador. Não se vê qualquer
utilidade prática em repetir nos instrumentos de sopro, as passagens acabadas
de tocar pelos violinos. Se estas redundâncias forem eliminadas consegue-se
reduzir em cerca de 47% o tempo do concerto com todas as poupanças que daí
advêm.
Esta
Sinfonia tem 2 andamentos. Se o dito Schubert não conseguiu os seus objectivos
até ao fim do 1º andamento deveria ter ficado por aí. O 2º andamento é um
desperdício portanto deveria ser eliminado. Perante estes factos, poderá
concluir-se que se Schubert tivesse tido o nosso apoio a sua Sinfonia hoje
estaria completa”.
O humor na organização tem vários papéis e
funções. Num serviço de emergência médica, o humor surge como forma de lidar
com os traumas. Noutras profissões e locais surge como um mecanismo de
descompressão de tensões, de inspirar criatividade. Faz parte da cultura
organizacional. Como diz David L. Collinson em “Managing Humour” (Journal of
Management Studies, Maio de 2002), “as anedotas que as pessoas contam no local
de trabalho podem revelar tanto, ou às vezes mais, acerca da organização, da
sua gestão, da sua cultura e dos seus conflitos, como as respostas
cuidadosamente dadas nos inquéritos”.
Publicado no Jornal de
Negócios em 2003
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