quarta-feira, 2 de janeiro de 2013

Marvin Bower, pioneiro da consultoria



O Financial Times descreveu-o “como o pai fundador da consultoria2, chamaram-lhe ‘A Alma da McKinsey’ e, como referiu o obituário do New York Times, fez da consultoria de gestão “uma pedra-chave da cultura empresarial americana”.  De facto, se há alguém que reinventou o negócio da consultoria estratégica de gestão foi Marvin Bower (1-Agosto-1903/22-Janeiro-2003) que, nos anos 30, como advogado e com um MBA por Harvard, começou a trabalhar para comissões de recuperação de empresas falidas depois da passagem do tufão da Grande Depressão. Verificou que se estas comissões, com o apoio de bancos de investimentos e de escritórios de advogados, eram capazes de colocar em ordem os assuntos legais e financeiros das empresas, mas havia outros aspectos da gestão e da organização que se descuravam, e estes eram temas básicos de gestão como a estratégia, o volume de negócios, a previsão de lucros, a organização. Surgiu-lhe a ideia de fazer o aconselhamento na gestão e na estratégia de empresas como os escritórios faziam no domínio dos assuntos legais e jurídicos.
O seu projecto ganhou asas quando em 1933 encontrou James O. McKinsey, que era dono de uma empresa de consultoria constituída por engenheiros e contabilistas que fazia a gestão de eficiência, a industrial engineering. Convenceu-o a mudar a lógica do negócio com base nas suas ideias de que a gestão profissional das empresas tinha de ter conselheiros profissionais de gestão e organização como tinha de assuntos legais, técnicos, contabilísticos. No entanto, em 1937, James McKinsey morreu de pneumonia e os dois senior-partners da empresa resolveram separar-se. Em Chicago, ficou o partner-senior A. T. Kearney, que fundou a A T. Kearny & Company, e, em Nova Iorque, Martin Bower criou a McKinsey & Co. Esta escolha foi uma homenagem a James McKinsey mas também teve um requinte maquiavélico. Como dizia Marvin Bower, “senti os problemas que se tinha com o nome McKinsey na porta; um cliente entrava e dizia ‘nós queremos que o senhor McKinsey faça o estudo pessoalmente’ e eu nunca quis que ninguém me dissesse como é que deveria utilizar o meu tempo”.
Marvin Bower mudou também, de forma radical, o recrutamento de consultores. Deixou de privilegiar a experiência e trocou-a pela educação e formação: “respeito a inteligência tanto, se não mais, do que a experiência prática”. Inovou ainda na forma como se faz a passagem de testemunho dos partners mais velhos para os mais novos. Em 1968, quando atingiu os 65 anos, vendeu as suas acções nas empresas aos partners mais novos ao valor contabilístico, o que se tornou uma prática comum na Firma. Como dizia Marvin Bower, “as pessoas mais novas gostam de ter algumas acções; ganham o sentido de propriedade”.

Na sua consultora, Marvin Bower, onde trabalhou até 1992, criou os princípios profissionais que assentavam em conceitos como o cliente em primeiro lugar, conduta ética, confidencialidade em relação ao cliente, competência e “dizer candidamente o que pensamos que é a verdade”. A mística da McKinsey, que facilita o contacto com qualquer conselho de administração em qualquer parte do Mundo e atrai os melhores MBAs, baseava-se em algumas ideias-fortes como o growing your own, que se traduz em que é necessário competência mas também de integridade e o consultor deveria colocar os interesses do cliente à frente dos rendimentos da McKinsey; up or out que funciona como princípio de selecção e se traduz numa capacidade de constante regeneração, o funcionamento em equipa. Por outro lado, como assinalava um artigo na Economist de 20 de Março de 1997, foi Marvin Bower que dotou a McKinsey de regras de gestão como o planeamento de longo prazo e o forte investimento nos recursos humanos.

Para Marvin Bower deveria focar-se no básico qualquer que fosse o complexidade do problema: “é elementar mas muitas consultoras partem com a ideia de quem têm a solução para um problema. Parte do nosso treino é para eliminar este tipo de abordagem. Nós procuramos antes de mais saber qual é de facto o problema”.


Hoje a McKinsey, aconselha 100 das 150 maiores empresas do Mundo e, O símbolo da consultoria em estratégia ganhou os galões nas reorganizações da General Motors, da General Electric, serviu entidades como o Vaticano, presidentes dos Estados Unidos, empresas como a Coca-Cola, a BBC e, sobretudo apoiou os governos alemão depois da Queda do Muro de Berlim e a estratégia de recuperação da economia coreana ou fez o diagnóstico da economia portuguesa em 2004. Nos seus anais está a recusa em trabalhar para o multimilionário americano Howard Hughes ou no plano do Governo americano para salvar a American Motors. Mas a McKinsey cultiva um certo secretismo, tendo por vezes denominada por Kremlin da consultoria. Mas as críticas mais ferozes ligam-se à sua networking com a proliferação de gestores de empresas, sobretudo nas administrações, que passaram pela consultora e que portanto origina, segundo o tom dos seus críticos uma organização “quase-maçónica” ou uma estrutura com “um funcionamento jesuítico”. Esta atingiu o seu ponto mais negro com a recente condenação do seu antigo CEO Rajah Gupta que foi condenado em junho de 2101 a dois anos de prisão por ter passado informação confidencial sobre a Goldman Sachs a Raj Rajaratnam do Galleon Group hedge fund.

Robert Waterman, um ex-consultor e co-autor com Tom Peters de In Search of Excellence, “a McKinsey pensa que vende grandes estratégias e grandes ideias quando, na verdade, o seu papel é deixar que os gestores continuem a fazer asneiras. Eles fazem grandes análises, mas não ajudam a sua empresa a chegar ao topo”.

Marvin Brown escreveu dois livros. O primeiro em 1966 intitulava-se The Will to Manage e o segundo em 1997 com o título de The Will to Lead. A liderança empresarial foi uma das suas principais preocupações – a cátedra de Leadership Development na Harvard Business School denomina-se Marvin Bower.

Tinha a paixão das minúcias, a outra forma da exactidão, e, por isso, insistia em dizer que a McKinsey era uma Firma, em que ressoa o seu primeiro significado de assinatura, de palavra dada, de firmeza, e não uma Empresa ou Companhia, que se transforma em qualquer coisa de menor compromisso. E para Marvin Bower, a McKinsey deveria seguir os mesmos princípios, fornecer os mesmos serviços em todas as latitudes. A sua área de acção era o Mundo mas continuava a ser uma única Firma.

 

Filipe S. Fernandes

Com base no texto publicado no Diário Económico de 2002

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