Portugal:
questão que eu tenho comigo mesmo,
golpe
ate ao osso, fome sem entretém,
perdigueiro
marrado e sem narizes, sem perdizes,
rocim
engraxado,
feira
cabisbaixa,
meu
remorso,
meu
remorso de todos nos...
Alexandre
O’Neill
Portugal
é tema dominante sobretudo desde que se instalou, a partir do início do novo
milénio, a ideia de país crepuscular e em que o Estado é, ao mesmo tempo,
entidade tentacular, regaço protector e causa de tantos males. Foram também
feitas referências às nossas idiossincrasias… Belmiro de Azevedo refere que «em
Portugal, o que é corrente é algumas pessoas mandarem e outras trabalharem, espírito
que terá que desaparecer muito em breve». Mas há quem, com a experiência de
viver várias vidas numa só, saiba antecipar o futuro, como José Manuel de Mello,
que viu como a sombra da dívida se iria tornar um pesadelo. «Os empresários
hoje em dia gerem dívida. Não há dinheiro para fazer nada. Há uma geração que
tem a mão esquerda mais desenvolvida por causa dos subsídios que recebe de
Bruxelas».
Há ainda
quem tivesse olhado para as nossas fragilidades como bases para um novo
horizonte, marcado pelo voluntarismo e um whisfull thinking. Henrique Neto que viu a oportunidade
de um Portugal diferente no século xxi, dizendo que «isto de Portugal ser um
país subdesenvolvido é óptimo, porque temos mais oportunidades do que os desenvolvidos.
O Porter quando cá esteve disse: vocês perderam o séc. xx. E eu digo: óptimo,
agora vamo‑nos organizar para não perder o xxi. Com o xx
não nos preocupamos. Não temos as infra‑estruturas típicas do séc. xx;
podemos, por exemplo, passar à sociedade de informação com outra facilidade».
Mas é rápido o desencanto.
Interessante
é a hermenêutica da alma nacional com o primeiro traço a ser feito pelo judeu
de origem polaca que vive repartido por Portugal e Brasil, André Jordan. «Os
Portugueses não gostam de ouvir e de dizer não.» A pequenez e o paroquialismo
do país são também merecedores de análise. António Murta, fundador da Enable,
aconselha a que se proíbam «as empresas que só pensam em Portugal» porque, como
explica o gestor Miguel Calado, «lá fora, quando se fecha uma porta, há sempre
outras que se abrem. O problema é que em Portugal não existem tantas portas».
A
organização é outro dos calcanhares de Aquiles referidos por estes práticos.
António Raposo de Magalhães é vitriólico ao dizer que «os portugueses foram
feitos no 8º dia da criação. Têm o dom da asneira, semelhante ao que tinha o D.
Sebastião descrito por Oliveira Martins. Acabam sempre por abandalhar. Não têm
a menor capacidade de organização. É verdade que também têm as correspondentes
virtudes». Isto é reforçado por Américo Amorim que fez, no espaço de uma vida,
uma das maiores fortunas portuguesas: «penso que o problema de Portugal não é
tanto a falta de recursos, mas a falta de organização.»
O olhar
mais económico e de longo alcance de João César das Neves, que estudando o
fenómeno do crescimento económico consegue sobre- levar as qualidades. «O
sucesso da economia nacional baseia‑ se na flexibilidade, ligeireza,
criatividade e improvisação, sobretudo, ante as dificuldades», defende o
economista.
Para
Américo Amorim, os portugueses são generosos mas insatisfeitos pois «querem
aquilo que não têm e, depois, quando o têm, já não querem». Para o professor
Adriano Freire, temos «enorme criatividade mas não temos disciplina», enquanto
Francisco Vanzeller afirma que «sempre fomos comerciantes, investimos sempre no
curtíssimo prazo».
O
historiador José Mattoso aponta a forma centrípeta do Estado central – «o
centralismo em Portugal é uma constante com uma força espantosa, que quase faz
desaparecer o País» – que fez com que os portugueses se tenham dedicado mais a
comercializar do que a produzir. Mas o empresário Manuel Vinhas explicava esta
acentuação pela história: «o português e na sua feição económica, e esta
determinada pela sua índole, predominantemente de acção comercial. Viajar, ser
hábil no trato com homens diferentes, levar o que falta trazendo as novidades,
negociar acordos, obter lucro rápido são característicos da nossa maneira
através dos séculos. Em sentido diferente também nos caracterizamos por
trabalho pouco constante e metódico, individualismo comprometedor de grandes
organizações, pouco gosto pelo investimento de longo prazo e ausência de mentalidade
a que se pode chamar industrial». Detectava ainda nos ciclos de riqueza e
pobreza de Portugal «uma vocação para a ruína por oposição a vocação para o
progresso que deve assentar numa linha de contínuo desenvolvimento».
Miguel
Pais do Amaral, um raider mas também um empreendedor, costuma ironizar com
o que ele chama de «lusitana competência» para se expulsar os mais
empreendedores em cada época: «primeiro foram os judeus que acumulavam riqueza,
conheciam o valor do dinheiro; depois as ordens religiosas que abundavam em
organização e método ajudando a manter a ordem social; depois os ambiciosos
trabalhadores da classe média empobrecida, forçados a emigrarem; e finalmente
no pos-25 de Abril, primeiro com a fuga apressada dos
empresários para fora do país, depois, a partir dos anos 80, com a sedimentação
de relevantes talentos portugueses no exterior». Tal como todas as conclusões
globalizantes e sintéticas, tem tanto de verdade como de exagero.
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