sábado, 13 de julho de 2013

“O Estado deve agir” entrevista a Pedro Lains


É aos 54 anos autor de uma das obras mais vastas e relevantes na historiografia económica portuguesa recente e defende que o Estado não precisa de crescer para intervir. Basta ter política económica e deixar de não fazer nada para resolver os problemas económicos. Com formação económica, os seus domínios de eleição são a História Económica dos séculos XIX e XX, nomeadamente as questões relacionadas com o crescimento económico no longo prazo de Portugal e dos países periféricos da Europa, a integração europeia e os problemas actuais da economia portuguesa. Investigador coordenador do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, publicou recentemente o terceiro e último volume da História da Caixa Geral de Depósitos, 1876-2010, e História Económica de Portugal, com Leonor Freire Costa e Susana Münch Miranda.
O debate da industrialização atravessou todo o século XX e está de regresso com o novo projecto de re-industrialização.
Fazendo comparações com o resto da Europa, e é esta que interessa porque foi a primeira região industrial no Mundo, Portugal industrializou-se tarde, e tão tarde que o sector industrial nunca foi o principal sector da economia portuguesa. Primeiro foi a agricultura e depois logo a seguir os serviços, mas de uma forma marginal pelo que é mais uma curiosidade. O pico da industrialização chegou anos 70/80. Desde então o peso da indústria na economia tem decrescido, mas mais lentamente do que no resto da Europa, que é hoje em dia é uma economia de serviços. No PIB europeu, em média, 80% são serviços, 3 a 4% agricultura e 16% indústria. É este o padrão. De tal forma é assim que já estamos a entrar numa fase em que é insuficiente a divisão agricultura-indústria-serviços.
Há dias falando com uma pessoa que num banco está na concessão de créditos a PME dizia que os bons projectos agrícolas hoje em dia são os que começam a análise do projecto na comercialização. O que é que o consumo precisa, o que é que o comércio necessita, que tipo de produtos é que é mais fácil colocar e a partir daí partir para a terra e cultivar essas produções. A ideia agora da re-industrialização nem faz muito sentido. O que faz sentido é perguntar se o Estado deve intervir para que determinadas actividades não fechem numa crise.

Durante muito tempo o papel do Estado na industrialização não era discutido mas agora é, o que complica mais a solução do problema.
Agora o papel do Estado na defesa de alguns sectores ou de algumas unidades industriais foi reduzido a nível demasiadamente pequeno. Há países que vivem bem com isso como a Grã-Bretanha. Se a indústria automóvel não sobrevive, desaparece. Têm outras indústrias. Mas a Grã-Bretanha é um país especial no contexto europeu mas também tem problemas porque o sistema financeiro cresceu demais. A Alemanha nunca perdeu a sua base industrial. O governo do estado da Baviera intervém se houver problemas na VW-Audi ou na BMW. A intervenção do presidente Obama no sector automóvel nos Estados Unidos teve um grande sucesso pois salvou a indústria automóvel e o governo americano acabou por não perder dinheiro. Há sectores que atingiram uma dimensão tal que só o Estado tem capacidade financeira para intervir, os bancos já não têm.

As exportações têm-se baseado nos produtos de média tecnologia que no fundo são os têxteis e o calçado que são de facto a matriz do nosso processo de industrialização e que se mantém muito activos.
Mas isso faz sentido porque não há sectores mais modernos que outros ou empresas mais modernas que outras. O que há em determinadas actividades é uma maneira mais moderna de fazer as coisas, no sentido que tem mais produtividade e competitividade externa que outras. Pode haver a concentração e modernização do sector têxtil e isso representar aumentar a progressão na cadeia de valor. Uma das actividades mais bem-sucedidas na Suécia é a Ikea. Se se for á genealogia isso vem das florestas, madeira, pasta para papel, máquinas de fazer papel e mobiliário e agora já é os serviços relacionados com a venda de mobiliário.

Porque é que este projecto de re-industrialização do Governo não faz sentido, no seu entender?
Porque neste momento mais uma vez a única forma que temos para analisar estes problemas é através de comparações internacionais e em Portugal a indústria não tem um peso demasiadamente baixo. O que faz sentido é ver neste momento actual de crise quais são as unidades industriais e inclusivamente os sectores que estão com dificuldades, têm potencial de crescimento e que merecem ser apoiados.
Há aquela ideia que o Estado não deve escolher porque isso interfere com o funcionamento do mercado. Todavia, também é preciso ter em atenção que hoje em dia os Estados, como as empresas, têm mecanismos de avaliação de projectos do que há alguns anos atrás não tinham. Portanto o Estado pode usar esses mecanismos de uma forma directa ou até indirecta. Neste caso financiando os bancos e estes fazem esse trabalho de financiamento e avaliação. Não é uma repartição pública que necessariamente tem de fazer esse trabalho. E para isto não é preciso um Estado maior.

Mas por que é que é importante o Estado intervir?
Por exemplo, porque o Estado está preocupado com o nível de desemprego mas as empresas não, obviamente, porque as empresas ao criarem desemprego estão a expulsar um problema, o Estado não. Se há desemprego o Estado tem um problema financeiro, mas o governo não gosta de falara nas coisas assim e portanto reinventa a questão da re-industrialização. Aliás a conversa não faz sentido porque não se fala de re-industrialização e logo a seguir faz-se um pacote de corte de 4 mil milhões, tal como não faz sentido lançar medidas contra o desemprego e logo a seguir despedir uns milhares de funcionários públicos. É um governo bi-polar.

O objectivo dos planos do governo é passar de 29% das exportações no PIB, média da última década, para 50% no PIB em 2020 e criando excedentes na balança comercial…
Isso é que é trabalhar mal! Mas o debate está tão viciado que é melhor recorrer a exemplos. Recentemente vi uma reportagem televisiva em que se descrevia o estado de degradação dos portos no Algarve e a sua gestão é superavitária. Não há política económica, porque se houvesse detectava-se este problema e era atacado de uma forma eficiente de maneira a que houvesse algum investimento público ao qual se juntaria investimento privado. E com uma rentabilidade que não é só empresarial mas, como o Estado intervém, de rentabilidade social. E isto é mais importante do que conversas com a re-industrialização.
Nós estamos perante uma ausência de política económica e esta ausência era propositada, fazia parte do modelo inicial. Agora a conversa está a mudar um pouco. Há um ano atrás ninguém falava de políticas de emprego, só se falava no investimento. Dizia-se que o emprego era resolvido pelo investimento e pelo mercado. Agora já se fala em políticas de emprego. É preciso muita atenção porque a economia portuguesa é uma economia moderna, e o que tem acontecido nos últimos vinte anos nas economias modernas da Europa e nos Estados Unidos é que as recuperações económicas não são acompanhadas pela recuperação do emprego, porque a tecnologia que está à disposição dos investidores substitui muito trabalho. As empresas podem criar desemprego, aumentam a sua produtividade e a sua competitividade mas depois é a sociedade que acarreta com os custos do desemprego. Estes têm de ser internalizados pelas empresas porque elas fazem parte da sociedade. A política económica é importante para gerir estas situações.

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