quinta-feira, 20 de junho de 2013

A organização segundo Fernando Pessoa

Texto base da TEDx proferida na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa em Setembro de 2012


O poeta brasileiro, Ferreira Gullar, costuma chamar-lhe “Fernando Pessoas”. É uma forma de incluir no seu nome os inumeráveis heterónimos que gerou tais como Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Ricardo Reis, e a diversidade de textos que escreveu como O Livro do Desassossego, O Banqueiro Anarquista, A Mensagem, a Tabacaria. E se hoje é um dos gigantes da literatura de língua portuguesa e um dos cânones da literatura universal a sua curiosidade e reflexão espalharam-se para além do domínio literário, propagaram-se pela filosofia, o esoterismo, a economia. Preocupou-se com o que definia como “quotidiano e tributável”. Estudou numa escola comercial na África do Sul e isso marcou muito do que fez profissionalmente. Trabalhou em muitos escritórios da baixa lisboeta como correspondente estrangeiro em casas comerciais, que, juntamente com a função de tradutor, acabaram por ser as suas profissões principais. Foi sempre um profissional liberal pois como escreveu “odeio todo o trabalho imposto
Publicitário
Uma das suas actividades profissionais mais conhecidas é a sua prática publicitária como este anúncio para a Coca-Cola publicado pelo Diário de Lisboa em 1927 e que diz “O refresco americano Coca-Cola: No primeiro dia: Estranha-se No quinto dia: Entranha-se”. Curiosamente, a frase que ficou para a história foi a escrita pelo Ricardo Jorge, director-geral da Saúde, então no âmbito do Ministério do Interior, a 23 de dezembro de 1927 em que explicava as razões para a proibição: “Nos anúncios com que se fez nos periódicos propaganda da Coca-Cola, dizia-se: 'A princípio estranha-se, mas depois entranha-se.' Um convite ao vício ou uma especulação com o vício.”
Lúdico
Este indisciplinador intelectual tinha uma grande vontade empreendedora pois teve uma gráfica, uma editora de livros, fez revistas, criou várias empresas de comissões, foi inventor. Estes seus interesses tinham como objectivo, como ele dizia, “organizar em perfeito paralelismo a minha vida prática e a minha vida especulativa, de modo a que a primeira nunca possa prejudicar a segunda, à qual está, por um dever mais alto, subordinada”.
Como dizia Richard Zenith, nos negócios interessavam-lhe mais pelo aspecto lúdico do que pelo lucro mas era sempre empenhado. Numa carta à namorada Ofélia de 11 de Junho de 1920 queixa-se: “querem, em, geral, que eu faça tudo – que eu, além de ter as ideias e indicar a maneira de as organizar, me ocupe também de arranjar os capitais e de fazer quanto mais for preciso para por a empresa em marcha”.
Podemos dizer a partir das suas ideias económicas que Fernando Pessoa tinha um concepção liberal da economia defendendo a concorrência e o mercado. O seu programa de desenvolvimento para Portugal assentava na industrialização, nas exportações e na organização.
Aliás tem num manuscrito uma frase lapidar sobre as empresas e estas “existem para um fim comercial, de lucro; não para um fim moral ou filantrópico”, que soa a Milton Friedman…
Industrialização
Em 1919 publicou num jornal sidonista em que participava na gestão, A Acção, um texto intitulado Como Organizar Portugal em que surgia como defensor da industrialização, um pouco contra as ideias dominantes mais agrárias e comerciais, mas numa época em que se deu um surto de industrialização.
Dizia que “Como se trata de um país atrasado, e todos os países atrasados são predominantemente agrícolas, é evidente que a única transformação profissional a fazer, e que preenche todas as condições exigidas, é a industrialização sistemática do país. Educação simultaneamente da inteligência e da vontade, transformador ao mesmo tempo da mentalidade geral e do atraso material do país, o industrialismo sistemático, sistematicamente aplicado, é o remédio para as decadências de atraso, é, portanto, o remédio para o mal de Portugal”. No seu espólio encontra-se um texto incompleto sobre a política industrial.
Estado
Apesar disso, tinha uma grande desconfiança em relação ao Estado:
“Economicamente o Estado é um mito. O Estado administra sempre mal. O Estado drena a energia particular
De todas as coisas “organizadas”, é o Estado, em qualquer parte ou época, a mais mal organizada de todas. E a razão é evidente”
Porque para Pessoa a administração de Estado não deveria passar da “da estrita actividade fiscal e tributária que só ao Estado compete, porque só ao Estado pode competir” mas o Estado deveria evitar a administração de comércios ou indústrias.
Exportações
Além do que escreveu, por exemplo, na Revista de Comércio e Contabilidade, são inúmeros os textos, os relatórios, as notas e os apontamentos existentes no espólio sobre o tema do comércio de importações e exportações, o que também tem a ver com a sua ligação profissional a este universo. E esta preocupação era tão mais vincada pelo facto de considerar que
A exportação portuguesa é, em relação ao que poderia ser ou tornarse, pequena, mal orientada, e mal coordenada. Nem há concorrência interna, o que significaria actividade intensa entre os exportadores individuais, nem cooperação nacional entre eles”. E ainda hoje o peso das exportações no PIB é baixo, cerca de 34% contra 80% na Bélgica ou 90% na Irlanda.
Os seus textos sobre esta temática têm a particula­ridade de serem tanto sobre projectos de organização empresarial virados para os mercados externos, em que muitas vezes chegam à minúcia da organização por depar­tamentos, como reflexões sobre o serviço a prestar aos clientes, o marketing e do próprio packing. Desce ao detalhe de mencionar “o aperfeiçoamento das embalagens”, passando pela ideia de que a empresa exportadora devia comercializar os seus produtos “sob marcas próprias”. De facto, nesta época, as exportações portu­guesas eram sobretudo de produtos alimentares, nomeadamen­te vinhos correntes e vinho do Porto, com a agravante de serem vendidos a granel, ou seja, as exportações nacionais tinham um baixo teor de transformação industrial, com muito pouco valor acrescentado.
Por exemplo, “A essência do comércio” é quase uma aula moderna de marketing com a sua insistência do “foco no cliente”. “Um comerciante, qualquer que seja, não é mais que um servidor do público, ou de um público (…) Ora toda a gente que serve, deve, parecenos, agradar a quem serve. Para isso é preciso estudar a quem se serve (…) temos que ver é como eles efectivamente pensam, e não como é que nos seria agradável ou conveniente que eles pensassem”.
Num dos textos “Bases para a formação de uma empresa de produtos portugueses”, imagina uma empresa que funcionasse como um agrupamento de várias empresas com o objectivo de ter capacidade de exportação e de implantação nos mercados internacionais, as empresas estabelecer-se-iam “gradualmente no estrangeiro, e começando pelas principais cidades, lojas para a venda directa ao público de produtos portugueses”.
Organização
Pessoa reflecte, aliás fá‑lo com alguma minúcia, sobre os preceitos prá­ticos da boa gestão e da excelência empresarial e o cerne da sua preocupação é a organização, o que não deixa de ser interessante porque é hoje provavelmente uma das principais causas para as nossas dificuldades, a tão decantada competitividade do país.
Para Fernando Pessoa a organização era mais do que um processo tecnológico e um conjunto de procedimentos. A sua visão ia para o que hoje chamamos gestão. Como dizia Fernando Pessoa “a organização é, por sua natureza, um fenómeno intelectual, um trabalho de inteligência. A referida “indústria de organiza­ção” é, portanto, uma indústria intelectual”, que podemos supor que seria a consultoria e na época em que escrevia estas palavras era fundada nos Estados Unidos a McKinsey, a consultora de estratégia mais relevante.
E noutro texto diz “organizar é, essencialmente, um fenómeno intelectual. Há muitas coisas que se executam por palpite, imensas que se fazem empiricamente, pelo hábito e a experiência. Mas a organização estável, ou seja a organização propriamente dita, é um trabalho de inteligência”.
No texto processo de organização escreveu que “sistemas, processos, móveis, máquinas, aparelhos são — como todas as coisas mecânicas e materiais — elementos puramente auxiliares. O verdadeiro processo é pensar; a máquina fundamental é a inteligência…”
O texto como se organiza uma trading: “nós, os portugueses, não temos uma tradição comercial; não somos, portanto, naturalmente e instintivamente comerciantes. Sendo assim, temos de compensar essa deficiência com uma apli­cação da inteligência — com a organização, portanto
Conclusão
Se alguma lição de actualidade se pode retirar destes textos de Pessoa é a sua insistência na inteligência (que é educação, que é formação, que é discernimento, que é ciência, que é subir na cadeia de valor, que é…) como principal recurso estratégico para o nosso desenvolvimento.

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