sexta-feira, 7 de junho de 2013

Empreendedores, os de sobrevivência e os de tecnologia

Ao sobrevoar e reflectir sobre alguns lugares comuns e ideias feitas sobre os empreendedores e o empreendedorismo e, quando digo lugares comuns e ideias feitas, não quer dizer que sejam meramente retóricas. Não, têm consequências mas a realidade é mais complexa e mais interessante se olharmos para além dos lugares comuns. “Falido, estagnado e arcaico, Portugal precisa que o levem à força e à má cara para o mundo real, que os portugueses detestam. Os valores de uma cultura camponesa pobre, como a nossa, são a segurança e a rotina. Nada mais contrário ao que nos propõem: a iniciativa, a competição, o risco”. Isto escreveu ainda recentemente, com a irritação habitual, Vasco Pulido Valente e acredito que num primeiro momento concordamos com este diagnóstico sintético e que parece devastador na sua certeza. Mas, de facto, há factores em desenvolvimento, nomeadamente no campo do empreendedorismo, que relativizam este diagnóstico e que mostram a emergência de uma nova realidade. Não é seguramente de um súbito novo Portugal que se trata, é simplesmente um outro Portugal mais empreendedor e inovador que surge e que coexistirá com todos os outros, mas que no futuro tenderá a ter um maior protagonismo.

A prevalência do empreendedorismo de sobrevivência
Há a ideia feita de que Portugal tem falta de espírito empreendedor, e que Belmiro de Azevedo detecta, por exemplo, no facto de que quando dois colegas se encontram e querem saber das carreiras profissionais, perguntarem “Onde estás?” em vez de “O que fazes?”. Os inquéritos à nossa capacidade empreendedora não nos dão boas classificações nos rankings, mas vale a pena olhar para os factos de outra forma e talvez possamos verificar que há espírito empreendedor e há dinamismo empresarial.
No primeiro caso, segundo um relatório feito no âmbito no novo quadro comunitário de apoio, desde os anos 80 que se criam mais de 20 mil empresas por ano. (Manuel Mira Godinho e Vítor Corado Simões, “I&D, Inovação e Empreendedorismo 2007-2013-Relatório Final”, Estudo para o Observatório do QCA III). O sinal de dinamismo da economia norte-americana é dado, pelo facto de 19 das 25 maiores empresas não existiam há quatro décadas atrás. Mas em Portugal apenas 8 das 20 maiores empresas em 1988 se mantiveram no ranking de 2008. Portanto há dinamismo empresarial e espírito empreendedor. O problema português não está portanto no número de novas empresas criadas mas, como refere o relatório do QCA, no facto de “a esmagadora maioria das novas empresas é de muita pequena dimensão com baixa intensidade em conhecimento e sem perspectivas de elevados ritmos de crescimento”. Portanto a questão está no facto de ser um empreendedorismo de sobrevivência e não de afirmação empresarial. E destes “criadores de futuro” como Schumpeter chamou aos empreendedores que necessitamos.

Para além do empreendedorismo de cafés e tabacarias
Um segundo aspecto tem a ver com a dinâmica de inovação empreendedora que como em muitas outras estruturas económicas e sociais mostra uma sociedade portuguesa dual, e em que ao lado desta massa informe de projectos empresariais de cafés e tabacarias sem esperança e futuro, existe já uma rede de empresas inovadoras e metanacionais. Claro que ainda está longe dos objectivos que seriam a criação de 3 mil novas empresas por ano com características de elevado potencial de crescimento e elevada intensidade cognitiva em sectores industriais de média-alta e alta intensidade tecnológica e nos serviços intensivos em conhecimento. E um recente estudo da rede de inovação COTEC (Gustavo Cardoso, Vítor Roldão, Rita Espanha, Pedro Puga e David Castro, “Empreendorismo e Inovação nas PME'S em Portugal: a Rede PME Inovação COTEC”, Lisbon Internet and Networks Intl. Research Programme, 2008) mostra de facto um mundo, pequeno, mas um mundo diferente de empreendedores inovadores e baseados no conhecimento.
É uma geração jovens adultos que quando criou a empresa tinha em média 30,5 anos, é de elevada qualificação com 26,7% com uma habilitação ao nível do mestrado ou doutoramento e 75% já tinha experiência profissional pois trabalhava por conta de outrem (75%). As razões que os levaram a criar uma empresa estão relacionadas a realização pessoal, que é quase consensual nos inquiridos, as potencialidades das novas tecnologias (46,7%), e o aproveitamento de uma oportunidade de negócio (43,3%). E para a primeira empresa, 3 em cada 4 pessoas (70%) arriscou colocar os seus próprios capitais no momento de criar a sua empresa.
“Para trabalhar comigo quero os meus pares”, e portanto, no que toca ao nível de escolaridade dos trabalhadores, o grau de habilitações da maioria corresponde ao ensino superior. “Inovar é surfar a crista da onda” é onde a competição é sempre elevada, e de facto, dos empreendedores inquiridos, 63% consideraram que a sua empresa enfrenta uma pressão competitiva alta. A maioria das empresas tem actuação elevada em mercados estrangeiros. Cerca de 86,7% das empresas da Rede PME Inovação actuam simultaneamente no mercado nacional e estrangeiro, tendo pelo menos um cliente fora de Portugal.
Ao nível das vantagens competitivas, quase todas as empresas (93,3%) consideram que as suas vantagens derivam de um produto ou serviço prestado especializado. Quatro em cada cinco empresas (80%) vai mais longe, ao afirmar que a diferenciação tecnológica é também uma vantagem competitiva. A mesma proporção confia na qualidade como factor distintivo das empresas concorrentes. Mais de metade das empresas (63,3%) apresentam vantagens de flexibilidade e rápida adaptação.
A capacidade de inovação é ainda mais visível quando se tem em conta o registo de patentes pelas empresas. Ao nível das patentes associadas a ideias inovadoras (design, processos, produtos), um pouco mais de metade das empresas afirma já ter registado pelo menos uma patente desde a sua criação.
Portanto há empreendedorismo e existe inovação nas áreas tecnológicas. Claro que estamos longe do desejável, até porque há uma outra ideia feita, a terceira no meu inventário.

O mito da inovação como invenção e tecnologia.
As tecnologias de informação foram, como diz Paul Krugman, fundamentais para criar um novo paradigma e criar novas oportunidades porque o empreendedor é sempre alguém que voga contra a concorrente e as novas tecnologias abriram oportunidades em todos os sectores. Mas como diz Filipe Santos, professor de empreendedorismo no INSEAD, “a inovação é um processo de recombinação. Recombinando ideias e processos oriundos de diferentes áreas, o inovador consegue desenvolver uma solução mais económica e eficaz para os problemas dos consumidores. Inovar com base em tecnologias ainda em desenvolvimento pode ter grande potencial, mas o risco de falhanço é muito elevado pois as novas tecnologias normalmente demoram mais de dez anos a permitir aplicações comerciais. Aliás, as aplicações comerciais mais indicadas para novas tecnologias são muito difíceis de prever”. Como escreveu Fernando Pessoa, “sistemas, processos, móveis, máquinas, aparelhos são — como todas as coisas mecânicas e materiais — elementos puramente auxiliares. O verdadeiro processo é pensar; a máquina fundamental é a inteligência…”. Aliás tomo como conceito de inovação o que Lafley, CEO da Procter & Gamble, utiliza e que pode incluir não só produtos, tecnologias e serviços mas também modelos de negócio, cadeias de aprovisionamento, reduções de custos, além das inovações disruptivas.

Estas ideias feitas dificultam mas não são insuperáveis. Mais difíceis são os obstáculos “obstinados” como lhes chamo porque tem sido complicado removê-los ou mudá-los ao longo da nossa história recente.

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