Ao
sobrevoar e reflectir sobre alguns lugares comuns e ideias feitas sobre os
empreendedores e o empreendedorismo e, quando digo lugares comuns e ideias
feitas, não quer dizer que sejam meramente retóricas. Não, têm consequências
mas a realidade é mais complexa e mais interessante se olharmos para além dos
lugares comuns. “Falido, estagnado e arcaico, Portugal precisa que o levem à
força e à má cara para o mundo real, que os portugueses detestam. Os valores de
uma cultura camponesa pobre, como a nossa, são a segurança e a rotina. Nada
mais contrário ao que nos propõem: a iniciativa, a competição, o risco”. Isto
escreveu ainda recentemente, com a irritação habitual, Vasco Pulido Valente e
acredito que num primeiro momento concordamos com este diagnóstico sintético e
que parece devastador na sua certeza. Mas, de facto, há factores em
desenvolvimento, nomeadamente no campo do empreendedorismo, que relativizam
este diagnóstico e que mostram a emergência de uma nova realidade. Não é
seguramente de um súbito novo Portugal que se trata, é simplesmente um outro
Portugal mais empreendedor e inovador que surge e que coexistirá com todos os
outros, mas que no futuro tenderá a ter um maior protagonismo.
A prevalência do empreendedorismo de
sobrevivência
Há
a ideia feita de que Portugal tem falta de espírito empreendedor, e que Belmiro
de Azevedo detecta, por exemplo, no facto de que quando dois colegas se
encontram e querem saber das carreiras profissionais, perguntarem “Onde estás?”
em vez de “O que fazes?”. Os inquéritos à nossa capacidade empreendedora não
nos dão boas classificações nos rankings, mas vale a pena olhar para os factos
de outra forma e talvez possamos verificar que há espírito empreendedor e há dinamismo
empresarial.
No
primeiro caso, segundo um relatório feito no âmbito no novo quadro comunitário
de apoio, desde os anos 80 que se criam mais de 20 mil empresas por ano. (Manuel
Mira Godinho e Vítor Corado Simões, “I&D, Inovação e Empreendedorismo 2007-2013-Relatório
Final”, Estudo para o Observatório do QCA III). O sinal de
dinamismo da economia norte-americana é dado, pelo facto de 19 das 25 maiores
empresas não existiam há quatro décadas atrás. Mas em Portugal apenas 8 das 20
maiores empresas em 1988 se mantiveram no ranking de 2008. Portanto há
dinamismo empresarial e espírito empreendedor. O problema português não está
portanto no número de novas empresas criadas mas, como refere o relatório do
QCA, no facto de “a esmagadora maioria das novas empresas é de muita pequena
dimensão com baixa intensidade em conhecimento e sem perspectivas de elevados
ritmos de crescimento”. Portanto a questão está no facto de ser um empreendedorismo
de sobrevivência e não de afirmação empresarial. E destes “criadores de
futuro” como Schumpeter chamou aos empreendedores que necessitamos.
Para além do empreendedorismo de
cafés e tabacarias
Um
segundo aspecto tem a ver com a dinâmica de inovação empreendedora que como em
muitas outras estruturas económicas e sociais mostra uma sociedade portuguesa
dual, e em que ao lado desta massa informe de projectos empresariais de cafés e
tabacarias sem esperança e futuro, existe já uma rede de empresas inovadoras e
metanacionais. Claro que ainda está longe dos objectivos que seriam a criação
de 3 mil novas empresas por ano com características de elevado potencial de
crescimento e elevada intensidade cognitiva em sectores industriais de
média-alta e alta intensidade tecnológica e nos serviços intensivos em conhecimento. E um
recente estudo da rede de inovação COTEC (Gustavo Cardoso, Vítor
Roldão, Rita Espanha, Pedro Puga e David Castro, “Empreendorismo e Inovação nas
PME'S em Portugal: a Rede PME Inovação COTEC”, Lisbon Internet and Networks
Intl. Research Programme, 2008) mostra de facto um mundo, pequeno,
mas um mundo diferente de empreendedores inovadores e baseados no conhecimento.
É
uma geração jovens adultos que quando criou a empresa tinha em média
30,5 anos, é de elevada qualificação com 26,7% com uma habilitação ao
nível do mestrado ou doutoramento e 75% já tinha experiência profissional
pois trabalhava por conta de outrem (75%). As razões que os levaram a criar uma
empresa estão relacionadas a realização pessoal, que é quase consensual
nos inquiridos, as potencialidades das novas tecnologias (46,7%), e o aproveitamento
de uma oportunidade de negócio (43,3%). E para a primeira empresa, 3 em
cada 4 pessoas (70%) arriscou colocar os seus próprios capitais no
momento de criar a sua empresa.
“Para
trabalhar comigo quero os meus pares”, e portanto, no que toca ao nível de
escolaridade dos trabalhadores, o grau de habilitações da maioria corresponde
ao ensino superior. “Inovar é surfar a crista da onda” é onde a competição é
sempre elevada, e de facto, dos empreendedores inquiridos, 63% consideraram que
a sua empresa enfrenta uma pressão competitiva alta. A maioria das empresas tem
actuação elevada em mercados estrangeiros. Cerca de 86,7% das empresas da Rede
PME Inovação actuam simultaneamente no mercado nacional e estrangeiro, tendo pelo
menos um cliente fora de Portugal.
Ao
nível das vantagens competitivas, quase todas as empresas (93,3%)
consideram que as suas vantagens derivam de um produto ou serviço prestado
especializado. Quatro em cada cinco empresas (80%) vai mais longe, ao afirmar
que a diferenciação tecnológica é também uma vantagem competitiva. A mesma
proporção confia na qualidade como factor distintivo das empresas concorrentes.
Mais de metade das empresas (63,3%) apresentam vantagens de flexibilidade e
rápida adaptação.
A
capacidade de inovação é ainda mais visível quando se tem em conta o registo de
patentes pelas empresas. Ao nível das patentes associadas a ideias inovadoras
(design, processos, produtos), um pouco mais de metade das empresas afirma já
ter registado pelo menos uma patente desde a sua criação.
Portanto
há empreendedorismo e existe inovação nas áreas tecnológicas. Claro que estamos
longe do desejável, até porque há uma outra ideia feita, a terceira no meu
inventário.
O mito da inovação como invenção e
tecnologia.
As
tecnologias de informação foram, como diz Paul Krugman, fundamentais para criar
um novo paradigma e criar novas oportunidades porque o empreendedor é sempre
alguém que voga contra a concorrente e as novas tecnologias abriram
oportunidades em todos os sectores. Mas como diz Filipe Santos, professor de
empreendedorismo no INSEAD, “a inovação é um processo de recombinação.
Recombinando ideias e processos oriundos de diferentes áreas, o inovador
consegue desenvolver uma solução mais económica e eficaz para os problemas dos
consumidores. Inovar com base em tecnologias ainda em desenvolvimento pode ter
grande potencial, mas o risco de falhanço é muito elevado pois as novas
tecnologias normalmente demoram mais de dez anos a permitir aplicações
comerciais. Aliás, as aplicações comerciais mais indicadas para novas
tecnologias são muito difíceis de prever”. Como escreveu Fernando Pessoa,
“sistemas, processos, móveis, máquinas, aparelhos são — como todas as coisas
mecânicas e materiais — elementos puramente auxiliares. O verdadeiro processo é
pensar; a máquina fundamental é a inteligência…”. Aliás tomo como conceito de
inovação o que Lafley, CEO da Procter & Gamble, utiliza e que pode incluir
não só produtos, tecnologias e serviços mas também modelos de negócio, cadeias
de aprovisionamento, reduções de custos, além das inovações disruptivas.
Estas
ideias feitas dificultam mas não são insuperáveis. Mais difíceis são os
obstáculos “obstinados” como lhes chamo porque tem sido complicado removê-los
ou mudá-los ao longo da nossa história recente.
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