Dedicámos à
psicologia da propaganda a mais curiosa e atenta consideração, sem ser por
outra razão, a princípio, que não fosse científica, de mero interesse
intelectual, ligado, mais recentemente, a uma série de publicações que
tencionamos fazer, algumas relacionadas com a propaganda neste país.
O facto
primordial da propaganda, e determinante essencial da sua eficácia, parece‑nos
ser a sua indirecção, digamos assim. Na proporção em que a propaganda se torna
mais óbvia, mais tendência tem para trair os seus propósitos. Podereis dizer
que esta ideia não é nova, e que uma descoberta equivalente na ciência ou na
indústria dificilmente teria garantida uma patente, pela sua novidade.
Todavia, uma vez que é persistentemente ignorada na prática, não poderá ser
tenazmente, ou claramente, defendida como teoria. Se um grande número de
publicações da especialidade, dedicadas ao que se pode chamar a “propaganda de
exportação” coordenasse as suas actividades e as diluísse com generalidades,
conseguiriam resultados muito mais avantajados do que conseguem
individualmente. Pomo‑vos esta questão: suponde que, em vez dos suplementos de
comércio, digamos, de The Times e The Manchester Guardian, estes
dois jornais, ou cada um por si (a hipótese de coordenação é desnecessária)
publicassem, em língua estrangeira, e para uso no exterior, edições como The
Times Weekly Edition, contendo uma generalidade de notícias, um grande
volume de artigos em todas as especialidades, e, em complemento, a propaganda
especial pretendida, considerais que estes jornais teriam menos efeito do que
têm as publicações da especialidade?
Um outro exemplo.
Há pouco tempo, o Sr. Grant Richards(1),
o editor, na sua secção de anúncios do Times Literary Supplement, em
cartas para esse semanário, e para mais algum, insistiu fortemente na
necessidade de uma propaganda através de livros. A ideia, supomos, não deu em
nada, tal como todas essas ideias, pela sua falta de um princípio condutor
fulcral, tal como o aparentemente pouco inovador que vos apresentamos, que
nulifica, necessariamente — podemos quase dizer estultifica — a sua [espaço
vazio]. Nunca adquirem momentum.
Se a propaganda
britânica é menos eficientemente organizada do que a alemã e a americana, se
uma proposta respeitante à propaganda terá muito mais probabilidade de ser
aceite por uma organização industrial alemã ou americana, podereis perguntar‑nos,
com alguma justiça, por que razão vos escrevemos agora, e não a organizações
correspondentes ou similares de um desses países. A essa dúvida possível
adiantaremos uma resposta parcial, ainda que satisfatória. Esta resposta será,
necessariamente, dada dentro de maior confidencialidade do que a da restante
carta.
A razão é em
parte pessoal (e essa é a parte que poremos de lado), e é também política e
nacional. Em publicações que pretendemos trazer à luz, propomos tornar a
aliança Anglo‑Portuguesa a base da parte respeitante à “política
internacional”; desde já declinamos quaisquer esperanças que se formem quanto a
sermos capazes de alterar o curso da história ou …
Não somos a favor
da invasão americana da Europa, ou do exercício (ou sua retoma) da influência
alemã neste país, sendo que os resultados dessa influência na Espanha, que são
enormes, já são maus que chegue, pelo menos no que diz respeito a Portugal. Em
relação à América, não pensamos que haja alguma vantagem em que a doutrina
Monroe(2) venha a ser
abolida, na sua acção inversa; e estamos suficientemente vigilantes, à nossa
modesta maneira, e não somos tão estúpidos que tenhamos de ler nas entrelinhas
do plano subtil aflorado por Walter Rathenau na
entrevista com o representante de Answers.
O facto de
sabermos o que esse homem é, e o que ele fez na Guerra, e o que poderá vir a
fazer, o conhecimento psicológico da mistura peculiarmente perigosa de um líder
industrial e de um filósofo idealista …
Tal como se diz
(com verdade) que todo o criminoso comete pelo menos um erro, assim também o
mais cuidadoso dos diplomatas ao menos uma vez há‑de falar demasiado.
1. Franklin Thomas Grant Richards (1872‑1948) foi
um grande editor britânico de autores como G. B. Shaw, G. K. Chesterton, Alfred
Noyes, John Masefield, James Joyce, mas não se distinguiu pela sua capacidade
de gestão, pois alguns dos seus empreendimentos faliram. Em 1917 começou a
escrever sobre publicidade no Times Literary Supplement. Foi autor de Memories
of a misspent youth.
2. Em 1823, as Américas estavam a ser abaladas por
movimentos independentistas nas colónias europeias, e o então presidente dos
Estados Unidos, James Monroe, enviou ao Congresso americano uma mensagem em que
defendia as Américas para os americanos, considerando que o continente
americano não podia ser recolonizado; era inadmissível a intervenção de
qualquer país europeu nos negócios internos ou externos de países americanos,
e os Estados Unidos, em troca, abster‑se‑iam de intervir nos negócios
pertinentes aos países europeus. Esta ficou para a história como a doutrina
Monroe.
Nota
Este
texto é constituído por quatro páginas de notas dactilografadas, com algumas
emendas manuscritas, quase indecifráveis, escritas em inglês. Seriam notas para
uma carta em que se propunha a criação de livros e publicações que ajudassem a
propaganda anglo‑portuguesa a responder à propaganda alemã e norte‑americana.
Apesar do seu carácter fragmentário faz uma reflexão interessante sobre os
vários modelos de propaganda.
Publicado em Filipe S. Fernandes,
Organizem-se- A Gestão Segundo Fernando Pessoa, Oficina do Livro, 2007
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