Boris Berezovsky, que foi encontrado morto ontem, 23 de Março, e Roman Abramovich enriqueceram
com os despojos da implosão da Rússia soviética e escolheram Londres para
dirimir um conflito de 3,75 mil milhões de euros. Ganhou o dono do Chelsea e foi o começou do fim para Berezovsky.
Em 31 de agosto deste ano a juíza Elisabeth
Gloster do Tribunal de Comércio de Londres recusou as duas petições de Boris
Abramovich Berezovsky, 66 anos, conhecido como “O Padrinho do Kremlin”, para
ser indemnizado em 3,75 mil milhões de euros por Roman Arkadievich Abramovich, 45
anos, “O Oligarca Discreto”, por negócios feitos nos anos 90 e que teriam sido
selados por um aperto de mão num iate ao largo das Caraíbas em 1995. Boris Berezovsky,
um dos primeiros oligarcas, da Rússia após-1989, acusava Roman Abramovich de
abuso de confiança, chantagem e ruptura de contrato em dois negócios: a venda
das participações na Sibneft (energia) e RuSal (alumínios). Era o culminar de
um julgamento iniciado em outubro de 2011, considerado um dos maiores litígios
em valor, e que inaugurou o novo edifício deste tribunal, Rolls Building, em
Londres. Mas o processo começou quando em 2007 Boris Berezovsky se passeava com
os seus guarda-costas pela loja Dolce & Gabanna e se deu conta que o
arqui-inimigo Roman Abramovich andava às compras numa loja próxima, Hermès,
para onde se dirigiu celeremente e quando deu de caras com o rival entregou-lhe
a intimação do processo em que pedia a milionária indemnização gritando-lhe:
“Tenho um presente para ti!”. Neste processo como se escreveu na Newsweek, no artigo Clash of the Titans: “assim começa a ser pública parte de uma
história que, às vezes, parece um roteiro de Hollywood com o seu elenco de
bilionários característicos, os seus iates blindados, alguns assassinatos
ocasionais, malas recheadas de dinheiro, e as intrigas no Kremlin. Desenrolando-se
na frente de uma plateia extasiada em um tribunal de Londres, revela muito
sobre jogos de poder na Rússia, e ascensão de Putin e sua consolidação e
controle”.
De origem judia, Boris Berezovsky começou a
fazer a sua fortuna com a perestroika – regime de liberalização implementado
por Gorbatchov a partir de 1985 – através do comércio de automóveis de luxo e a
exportação de automóveis russos. Matemático de formação, a sua estrela começou
a despontar com a implosão do império soviético em 1989 e com a chegada ao
poder na Rússia de Boris Yelstin em 1991 e a sua aproximação à filha deste,
Tatiana, tendo estado nos bastidores das privatizações dos activos da Rússia.
Para este fim precisou de usar figuras como Abramovich para se apossar de parte
desses bens. Chegaram a chamar-lhe Rasputine pela sua capacidade em urdir,
manipular e lucrar as teias do poder no Kremlin. Boris Berezovsky cruzou-se com
Roman Abramovich em 1994, tinha este 28 anos, altura quando decidiu tornar-se mais
agressivo politicamente depois de ter sido vítima de um atentado com carro
armadilhado. Para isso planeou adquirir o controlo de um canal de televisão, a
ORT, projecto para o qual Roman Abramovich ofereceu os seus préstimos, ou seja,
o seu dinheiro, e que muito ajudaria Boris Yeltsin a vencer as eleições
presidenciais em 1996 e depois a fazer de Vladimir Putin um herói na guerra
contra os chechenos. Depois tornou-se como escreveu a Forbes, um dos dez
empresários mais influentes do mundo. O especialista da Rússia na Universidade
de Kent, Richard Sakwa, disse ao Financial Times que Boris Berezovsky era em
essência um “oligarca político”, enquanto Roman Abramovich é um “oligarca
empresarial”, o que mostra que “o negócio de Berezovsky não eram os negócios, o
seu negócio era a política”.
Roman Abramovich nasceu em 1966 numa família nos
montes Urais tendo ficado órfão muito cedo e sido criado pelos avós. Ter-se-á
licenciado em Direito pela Academia Estatal de Moscovo. Segundo o Pravda, terá
começado a sua fortuna vendendo gasolina desviada do Exército em que serviu. Em
1992 chegou a estar preso acusado de ter desviado de 55 cisternas de gasóleo
para abastecimento militar. Teve vários negócios em áreas como os brinquedos, as
peças de automóveis, o petróleo, a pecuária, os pneus e a segurança privada e acabou
por se aproximar do círculo de oligarcas de Yelstin tendo bem aceite tanto pela
sua prodigalidade como pela discrição. Hoje entre barcos, mansões, clubes de
futebol, como o Chelsea de Londres, participações em presas tem uma fortuna
avaliada pela Forbes em 12 mil milhões de dólares.
Segundo Boris Berezovsky, ele e o seu sócio
Badri Patarkatsishvili, empresário georgiano que morreu de ataque cardíaco em
2008, fizeram, em 1995, um acordo oral com Abramovich para criar uma empresa na
área do petróleo que adquirisse as participações em várias empresas do sector
na área da refinaria e da produção de petróleo que iriam ser privatizadas e que
se consubstanciaria na Sibneft, criada em 24 de agosto de 1995 como parte do
programa de privatizações e que se tronou uma das maiores empresas petrolíferas
integradas russas com grandes lucros. Nos termos desse acordo informal, a
empresa seria repartida por Boris Berezovsky e sócio (50%) e Roman Abramovich
(50%), proporção pela qual seriam distribuídos os lucros que incluíam não só a
Sibneft mas as empresas de trading de Abramovich e quaisquer outros negócios
que fossem adquiridos no futuro. Este acordo seria aprofundado por um outro
feito em pelos três empresários em 1996. O trio de empresários iria ainda
alargar, entre 1998 e 1999, o acordo para a compra de activos no sector de
alumínio na Rússia, que iria culminar na fusão com os activos neste sector
detidos por outro oligarca, Oleg Depiraska, num acordo feito a 13 de março de
2000 no hotel Dorchester em Londres e que resultou na criação da RusAl, onde Boris
Berezovsky e Badri Patarkatsishvili teriam 25%. Segundo Boris Berezovsky, entre
1996 e 2000, ele e o seu sócio Badri Patarkatsishvili receberam de Roman
Abramovich 3,2 mil milhões de dólares a títulos de dividendos e partilha de
lucros das empresas em que estavam associados.
Boris Berezovsky foi um dos principais apoios de
Vladimir Putin, que tomou posse como substituto de Boris Yeltsin em maio de
2000 e que vinha da escola da polícia política, agora denominada FSB mas
herdeira do KGB. Nas cerimónias de posse, Boris Berezovsky e Romam Abramovich estavam no restrito lote
de convidados. Isto apesar de Boris Berezovsky ter uma relação especial com
Alexander Litvinenko depois deste agente do FSB o ter alertado, em 1998, que
lhe tinham ordenado que o matassem. Este agente foi preso duas vezes por ter
denunciado a corrupção no FSB e a guerra suja contra os chechenos até que Boris
Berezovsky conseguiu que fugisse para Londres depois de uma rocambolesca
passagem pela Turquia, tendo sido morto por envenenamento em 2006. Pouco depois
da posse já Boris Berezovsky tinha caído em desgraça junto das teias do poder
de Vladimir Putin. Tudo começou com o decreto presidencial que previa a
nomeação de governadores regionais em vez da eleição passou pelo distanciamento
em relação aos oligarcas e culminou como o acidente do submarino Kursk em
agosto de 2000. O grupo de media de Boris Berezovsky tornou-se crítico de
Putin. Além disso Boris Berezovsky ter-se-á recusado a doar dinheiro para
compra de um iate para Putin, a quem, pouco depois, Roman Abramovich ofereceu
um. Os meios judiciais começaram a mover-se para tentar apanhar Boris Berezovsky
e iniciaram investigações sobre a sua passagem pela Aeroflot. Nesta altura,
Romam Abromovich distancia-se de Boris Berezovsky e acabaria até como
governador de Chukotka em 2001.
Boris Berezovsky alegou também que entre agosto
de 2000 e maio de 2001 Roman Abramovich começou a pressioná-los para que
vendessem as participações na Sibneft e na RusAl pois, caso contrário, seriam
expropriados pelo Estado. E a título de aviso o empresário próximo de Boris
Berezovsky, Nikolay Glushkov, foi detido. Em maio ou junho de 2001, Boris Berezovsky
e Badri Patarkatsishvili, sob ameaça, venderam as suas participações por 1,3
mil milhões de dólares, um valor inferior ao de mercado. Por isso, pedia agora
uma compensação de 5 mil milhões de dólares pela Sibneft e 564 milhões de
dólares peal RusAl. Boris Berezovsky tinha saído da Rússia para França a 30 de
outubro de 2000, depois de disputas com Vladimir Putin, tendo chegado a Londres
um ano depois, onde pediu asilo que lhe foi concedido a 10 de Setembro de 2003.
Mantém o seu domicílio fiscal na Rússia. No seu testemunho Romam Abramovich
afirmou que as suas acções nas empresas Sibneft e RusAl estavam em holdings e
trusts, grande parte delas em off-shores, mas que Boris Berezovsky e Badri
Patarkatsishvili nunca tiveram um número significativo de acções nestas
empresas. E foi por estas que pagou em 2001 e com um prémio gordo. Referiu
também que o único acordo que existia era de patrocínio político e de gestão de
influências pelos quais pagava. Por isso, entre 1996 e 2000 deu a Boris Berezovsky
27 milhões de dólares para comprar um castelo em França, 5 milhões de dólares
em cash dentro de 5 malas, dinheiro para comprar prenda para a namorada em
Londres. Todos os anos fazia pagamentos de milhares de dólares para Boris Berezovsky
funcionar como Krisha, palavra russa para telhado.
Como referiu o seu advogado Lord Sutton, na
transição russa para uma economia de mercado nos anos 90 estava ausente a lei
comparando-o ao século XV na Grã-Bretanha. Como escreveu o Financial Times, “o caso, que se estima ter atingido os 100 milhões
de libras em custos legais, explorou com pormenor forense os acontecimentos
após o colapso da União Soviética, quando um vasto rol de activos estatais
forma vendidos a baixos preços a um pequeno grupo de oligarcas”. Neste
processo, jogou um papel crucial Boris Berezovsky, que, como se vangloriou ao
Financial Times em 1996, era como que o líder dos sete homens de negócios que
controlavam metade da economia russa.
A juíza Elisabeth Gloster baseou a sua sentença
sobretudo nos depoimentos dos dois oligarcas, perante a falta de outros
elementos de prova, tendo concluído que o testemunho de Boris Berezovsky foi
“impreciso e pouco fiável” e que me determinadas situações o seu testemunho foi
deliberadamente desonesto. Inventou claramente algumas provas e teve
dificuldades em responder de forma consistente a questões relacionadas com o
caso”. Para Boris Berezovsky, a juíza procurou “reescrever a história da
Rússia” e que em certas alturas da leitura sentença teve a impressão “que o
mesmo Putin escreveu esta sentença”.
Boris Berezovsky vivia entre o seu escritório em
Mayfair e a luxuosa mansão em Surrey, rodeado de uma segurança composta por
ex-membros da Legião Francesa e a sua fortuna foi avaliada pelo The Sunday Times em 800 milhões de
libras. O advogado de Roman Abramovich foi Lord Sutton , que por um dos seus
últimos trabalhos como advogado em 50 anos de actividade, terá recebido qualquer
coisas 3 milhões de libras. Nas sessões em tribunal, Boris Berezovsky falava em
inglês e às vezes de uma forma emocional, enquanto Roman Abramovich falou em
russo, era prudente e até monossilábico em algumas respostas.
A derrota neste processo e a Grande Recessão atingiram fortemente o seu património e as dívidas começavam a assombrá-lo. A sua última aparição pública foi para leiloar um dos seus quadros predilectos, o Lenin Vermelho de Andy Warhol.
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