domingo, 24 de março de 2013

Berezovsky e a última guerra de oligarcas



Boris Berezovsky, que foi encontrado morto ontem, 23 de Março, e Roman Abramovich enriqueceram com os despojos da implosão da Rússia soviética e escolheram Londres para dirimir um conflito de 3,75 mil milhões de euros. Ganhou o dono do Chelsea e foi o começou do fim para Berezovsky.
Em 31 de agosto deste ano a juíza Elisabeth Gloster do Tribunal de Comércio de Londres recusou as duas petições de Boris Abramovich Berezovsky, 66 anos, conhecido como “O Padrinho do Kremlin”, para ser indemnizado em 3,75 mil milhões de euros por Roman Arkadievich Abramovich, 45 anos, “O Oligarca Discreto”, por negócios feitos nos anos 90 e que teriam sido selados por um aperto de mão num iate ao largo das Caraíbas em 1995. Boris Berezovsky, um dos primeiros oligarcas, da Rússia após-1989, acusava Roman Abramovich de abuso de confiança, chantagem e ruptura de contrato em dois negócios: a venda das participações na Sibneft (energia) e RuSal (alumínios). Era o culminar de um julgamento iniciado em outubro de 2011, considerado um dos maiores litígios em valor, e que inaugurou o novo edifício deste tribunal, Rolls Building, em Londres. Mas o processo começou quando em 2007 Boris Berezovsky se passeava com os seus guarda-costas pela loja Dolce & Gabanna e se deu conta que o arqui-inimigo Roman Abramovich andava às compras numa loja próxima, Hermès, para onde se dirigiu celeremente e quando deu de caras com o rival entregou-lhe a intimação do processo em que pedia a milionária indemnização gritando-lhe: “Tenho um presente para ti!”. Neste processo como se escreveu na Newsweek, no artigo Clash of the Titans: “assim começa a ser pública parte de uma história que, às vezes, parece um roteiro de Hollywood com o seu elenco de bilionários característicos, os seus iates blindados, alguns assassinatos ocasionais, malas recheadas de dinheiro, e as intrigas no Kremlin. Desenrolando-se na frente de uma plateia extasiada em um tribunal de Londres, revela muito sobre jogos de poder na Rússia, e ascensão de Putin e sua consolidação e controle”.
De origem judia, Boris Berezovsky começou a fazer a sua fortuna com a perestroika – regime de liberalização implementado por Gorbatchov a partir de 1985 – através do comércio de automóveis de luxo e a exportação de automóveis russos. Matemático de formação, a sua estrela começou a despontar com a implosão do império soviético em 1989 e com a chegada ao poder na Rússia de Boris Yelstin em 1991 e a sua aproximação à filha deste, Tatiana, tendo estado nos bastidores das privatizações dos activos da Rússia. Para este fim precisou de usar figuras como Abramovich para se apossar de parte desses bens. Chegaram a chamar-lhe Rasputine pela sua capacidade em urdir, manipular e lucrar as teias do poder no Kremlin. Boris Berezovsky cruzou-se com Roman Abramovich em 1994, tinha este 28 anos, altura quando decidiu tornar-se mais agressivo politicamente depois de ter sido vítima de um atentado com carro armadilhado. Para isso planeou adquirir o controlo de um canal de televisão, a ORT, projecto para o qual Roman Abramovich ofereceu os seus préstimos, ou seja, o seu dinheiro, e que muito ajudaria Boris Yeltsin a vencer as eleições presidenciais em 1996 e depois a fazer de Vladimir Putin um herói na guerra contra os chechenos. Depois tornou-se como escreveu a Forbes, um dos dez empresários mais influentes do mundo. O especialista da Rússia na Universidade de Kent, Richard Sakwa, disse ao Financial Times que Boris Berezovsky era em essência um “oligarca político”, enquanto Roman Abramovich é um “oligarca empresarial”, o que mostra que “o negócio de Berezovsky não eram os negócios, o seu negócio era a política”.
Roman Abramovich nasceu em 1966 numa família nos montes Urais tendo ficado órfão muito cedo e sido criado pelos avós. Ter-se-á licenciado em Direito pela Academia Estatal de Moscovo. Segundo o Pravda, terá começado a sua fortuna vendendo gasolina desviada do Exército em que serviu. Em 1992 chegou a estar preso acusado de ter desviado de 55 cisternas de gasóleo para abastecimento militar. Teve vários negócios em áreas como os brinquedos, as peças de automóveis, o petróleo, a pecuária, os pneus e a segurança privada e acabou por se aproximar do círculo de oligarcas de Yelstin tendo bem aceite tanto pela sua prodigalidade como pela discrição. Hoje entre barcos, mansões, clubes de futebol, como o Chelsea de Londres, participações em presas tem uma fortuna avaliada pela Forbes em 12 mil milhões de dólares.
Segundo Boris Berezovsky, ele e o seu sócio Badri Patarkatsishvili, empresário georgiano que morreu de ataque cardíaco em 2008, fizeram, em 1995, um acordo oral com Abramovich para criar uma empresa na área do petróleo que adquirisse as participações em várias empresas do sector na área da refinaria e da produção de petróleo que iriam ser privatizadas e que se consubstanciaria na Sibneft, criada em 24 de agosto de 1995 como parte do programa de privatizações e que se tronou uma das maiores empresas petrolíferas integradas russas com grandes lucros. Nos termos desse acordo informal, a empresa seria repartida por Boris Berezovsky e sócio (50%) e Roman Abramovich (50%), proporção pela qual seriam distribuídos os lucros que incluíam não só a Sibneft mas as empresas de trading de Abramovich e quaisquer outros negócios que fossem adquiridos no futuro. Este acordo seria aprofundado por um outro feito em pelos três empresários em 1996. O trio de empresários iria ainda alargar, entre 1998 e 1999, o acordo para a compra de activos no sector de alumínio na Rússia, que iria culminar na fusão com os activos neste sector detidos por outro oligarca, Oleg Depiraska, num acordo feito a 13 de março de 2000 no hotel Dorchester em Londres e que resultou na criação da RusAl, onde Boris Berezovsky e Badri Patarkatsishvili teriam 25%. Segundo Boris Berezovsky, entre 1996 e 2000, ele e o seu sócio Badri Patarkatsishvili receberam de Roman Abramovich 3,2 mil milhões de dólares a títulos de dividendos e partilha de lucros das empresas em que estavam associados.
Boris Berezovsky foi um dos principais apoios de Vladimir Putin, que tomou posse como substituto de Boris Yeltsin em maio de 2000 e que vinha da escola da polícia política, agora denominada FSB mas herdeira do KGB. Nas cerimónias de posse, Boris Berezovsky  e Romam Abramovich estavam no restrito lote de convidados. Isto apesar de Boris Berezovsky ter uma relação especial com Alexander Litvinenko depois deste agente do FSB o ter alertado, em 1998, que lhe tinham ordenado que o matassem. Este agente foi preso duas vezes por ter denunciado a corrupção no FSB e a guerra suja contra os chechenos até que Boris Berezovsky conseguiu que fugisse para Londres depois de uma rocambolesca passagem pela Turquia, tendo sido morto por envenenamento em 2006. Pouco depois da posse já Boris Berezovsky tinha caído em desgraça junto das teias do poder de Vladimir Putin. Tudo começou com o decreto presidencial que previa a nomeação de governadores regionais em vez da eleição passou pelo distanciamento em relação aos oligarcas e culminou como o acidente do submarino Kursk em agosto de 2000. O grupo de media de Boris Berezovsky tornou-se crítico de Putin. Além disso Boris Berezovsky ter-se-á recusado a doar dinheiro para compra de um iate para Putin, a quem, pouco depois, Roman Abramovich ofereceu um. Os meios judiciais começaram a mover-se para tentar apanhar Boris Berezovsky e iniciaram investigações sobre a sua passagem pela Aeroflot. Nesta altura, Romam Abromovich distancia-se de Boris Berezovsky e acabaria até como governador de Chukotka em 2001.
Boris Berezovsky alegou também que entre agosto de 2000 e maio de 2001 Roman Abramovich começou a pressioná-los para que vendessem as participações na Sibneft e na RusAl pois, caso contrário, seriam expropriados pelo Estado. E a título de aviso o empresário próximo de Boris Berezovsky, Nikolay Glushkov, foi detido. Em maio ou junho de 2001, Boris Berezovsky e Badri Patarkatsishvili, sob ameaça, venderam as suas participações por 1,3 mil milhões de dólares, um valor inferior ao de mercado. Por isso, pedia agora uma compensação de 5 mil milhões de dólares pela Sibneft e 564 milhões de dólares peal RusAl. Boris Berezovsky tinha saído da Rússia para França a 30 de outubro de 2000, depois de disputas com Vladimir Putin, tendo chegado a Londres um ano depois, onde pediu asilo que lhe foi concedido a 10 de Setembro de 2003. Mantém o seu domicílio fiscal na Rússia. No seu testemunho Romam Abramovich afirmou que as suas acções nas empresas Sibneft e RusAl estavam em holdings e trusts, grande parte delas em off-shores, mas que Boris Berezovsky e Badri Patarkatsishvili nunca tiveram um número significativo de acções nestas empresas. E foi por estas que pagou em 2001 e com um prémio gordo. Referiu também que o único acordo que existia era de patrocínio político e de gestão de influências pelos quais pagava. Por isso, entre 1996 e 2000 deu a Boris Berezovsky 27 milhões de dólares para comprar um castelo em França, 5 milhões de dólares em cash dentro de 5 malas, dinheiro para comprar prenda para a namorada em Londres. Todos os anos fazia pagamentos de milhares de dólares para Boris Berezovsky funcionar como Krisha, palavra russa para telhado.

Como referiu o seu advogado Lord Sutton, na transição russa para uma economia de mercado nos anos 90 estava ausente a lei comparando-o ao século XV na Grã-Bretanha. Como escreveu o Financial Times, “o caso, que se estima ter atingido os 100 milhões de libras em custos legais, explorou com pormenor forense os acontecimentos após o colapso da União Soviética, quando um vasto rol de activos estatais forma vendidos a baixos preços a um pequeno grupo de oligarcas”. Neste processo, jogou um papel crucial Boris Berezovsky, que, como se vangloriou ao Financial Times em 1996, era como que o líder dos sete homens de negócios que controlavam metade da economia russa.
A juíza Elisabeth Gloster baseou a sua sentença sobretudo nos depoimentos dos dois oligarcas, perante a falta de outros elementos de prova, tendo concluído que o testemunho de Boris Berezovsky foi “impreciso e pouco fiável” e que me determinadas situações o seu testemunho foi deliberadamente desonesto. Inventou claramente algumas provas e teve dificuldades em responder de forma consistente a questões relacionadas com o caso”. Para Boris Berezovsky, a juíza procurou “reescrever a história da Rússia” e que em certas alturas da leitura sentença teve a impressão “que o mesmo Putin escreveu esta sentença”.
Boris Berezovsky vivia entre o seu escritório em Mayfair e a luxuosa mansão em Surrey, rodeado de uma segurança composta por ex-membros da Legião Francesa e a sua fortuna foi avaliada pelo The Sunday Times em 800 milhões de libras. O advogado de Roman Abramovich foi Lord Sutton , que por um dos seus últimos trabalhos como advogado em 50 anos de actividade, terá recebido qualquer coisas 3 milhões de libras. Nas sessões em tribunal, Boris Berezovsky falava em inglês e às vezes de uma forma emocional, enquanto Roman Abramovich falou em russo, era prudente e até monossilábico em algumas respostas.
A derrota neste processo e a Grande Recessão atingiram fortemente o seu património e as dívidas começavam a assombrá-lo. A sua última aparição pública foi para leiloar um dos seus quadros predilectos, o Lenin Vermelho de Andy Warhol.








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