O conhecimento do passado pode
ser um fardo, que conduz à paralisia, como se o fracasso já estivesse inscrito
ou o sucesso antigo fosse uma impossibilidade actual. A história seria uma
espécie de genética dos povos e, por muito que se quisesse mudar, seria muito
difícil alterar o curso da coisas.
Numa paráfrase a Vasco Pulido Valente, no
caso de Portugal, a solução seria óbvia: mudava-se de habitantes. Os que cá
estamos emigrávamos para o Luxemburgo (não é onde temos uma das maiores
produtividades da Europa?); em nossa substituição viriam ucranianos, checos,
eslovacos, polacos (e não ficávamos com excelentes possibilidades com os nos
países aderentes à União Europeia?). Como há algumas dificuldades práticas,
talvez fosse bom conhecer o nosso passado para percebermos a razão das nossas
dificuldades. Não porque o passado seja uma lição. Não se trata de reviver o
passado mas de inventar um futuro. E o que passado nos pode ajudar é a
determinar estratégias futuras, modelos de comportamento e acção diferentes.
No discurso dominante
actualmente na complexa “doxa” composta pela retórica, política, empresarial,
científica, económica e jornalística, assoma a questão das marcas portuguesas,
em subir na cadeia de valor acrescentado, os produtos portugueses serem imediatamente
desvalorizados quando se conhece a sua proveniência. Surgem como axiomas de uma
meridiana clareza, cuja descoberta, tão óbvia, até espanta. A explicação para
este estado de coisas assemelha-se à explicação que os treinadores de futebol
dão quando perdem os jogos. Tem sempre a ver com algo de estranho (o campo
estava demasiado molhado, ou inclinado…) de exterior ao jogo (o árbitro, o
patrão da federação, o irmão da sogra do dirigente…), de sorte (o poste, a
bolsa excessivamente redonda, o jogador que escorregou), etc..
Mas o que nos diz a história? Para isso vale a
pena ler o extracto de um relatório consular do cônsul-geral em Copenhaga
(Dinamarca): “A nossa sardinha tem-se desacreditado nêste mercado, por causa do
pouco escrupulo d´uma parte dos nossos exportadores, em enviarem a mercadoria
sem se preocuparem com uma perfeita apresentação e que seja conforme as
amostras. Tem-se, repetidamente, cometido o abuso de oferecer um bom produto
como amostra e depois fornecem as encomendas d`uma qualidade inferior e muitas
vezes em mau estado. (…) É para lamentar também que os honestos e competentes
fabricantes nunca se tivessem preocupado em fazer aqui qualquer reclame para
acreditar as suas marcas, a exemplo do que fazem os franceses. É muito
conhecido e afamado aqui o nome Philipe Carraud e outros, ao passo que do nosso
paiz somente se conhece: SARDINHA PORTUGUESA, que para os dinamarqueses é
sempre um artigo de inferior qualidade”.
Quem escreveu este extracto do
citado relatório, denominado, “O Nosso Comércio Com a Dinamarca”, foi Ferreira
dos Santos. Mas olhe, leitor, isto não é uma fuga de informação, não é um
exemplo da nova diplomacia económica. Não é um relatório de 2003, 1992, ou
1967. Esta análise foi feita em 1926 !!!!!!
O que este texto mostra é que
sempre uma ideia da estratégia a seguir. Mas também mostra de também sempre
houve uma outra forma de fazer negócio. Isto é, de forma muito franca: não é
possível a ninguém em Portugal fazer uma Nike, mas é possível fazer de Portugal
o melhor fornecedor da Nike porque poderíamos fornecer tudo, desde o “design”
até às plataformas logísticas passando pelo fabrico de produtos da
multinacional norte-americana. E o exemplo não é espúrio nem é delirante. A
Zara fá-lo a nível têxtil…
O nosso problema é sempre outro
e que com cíclica fluência nos ataca. E a história relembra-o. Imaginámos que
já somos ricos. Em 1893, Gerard du Perry escrevia na Revista das Alfândegas: “
a estas causas de estacionamento das industrias, de que resulta limitada e
pouco perfeita producção accresce modernamente uma outra que com aquelles
contribue para que o preço de custo do fabrico portuguez seja muito mais
elevado do que nos países verdadeiramente industrializados. É o luxo. Luxo
escusado nas edificações fabris e luxo insustentável na vida dos industriais em
inteira desproporção com a modesta producção fabril”.
Texto publicado no Jornal de Negócios em 2003.
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