sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

O nosso cônsul em Copenhaga

O conhecimento do passado pode ser um fardo, que conduz à paralisia, como se o fracasso já estivesse inscrito ou o sucesso antigo fosse uma impossibilidade actual. A história seria uma espécie de genética dos povos e, por muito que se quisesse mudar, seria muito difícil alterar o curso da coisas.
Numa paráfrase a Vasco Pulido Valente, no caso de Portugal, a solução seria óbvia: mudava-se de habitantes. Os que cá estamos emigrávamos para o Luxemburgo (não é onde temos uma das maiores produtividades da Europa?); em nossa substituição viriam ucranianos, checos, eslovacos, polacos (e não ficávamos com excelentes possibilidades com os nos países aderentes à União Europeia?). Como há algumas dificuldades práticas, talvez fosse bom conhecer o nosso passado para percebermos a razão das nossas dificuldades. Não porque o passado seja uma lição. Não se trata de reviver o passado mas de inventar um futuro. E o que passado nos pode ajudar é a determinar estratégias futuras, modelos de comportamento e acção diferentes.
No discurso dominante actualmente na complexa “doxa” composta pela retórica, política, empresarial, científica, económica e jornalística, assoma a questão das marcas portuguesas, em subir na cadeia de valor acrescentado, os produtos portugueses serem imediatamente desvalorizados quando se conhece a sua proveniência. Surgem como axiomas de uma meridiana clareza, cuja descoberta, tão óbvia, até espanta. A explicação para este estado de coisas assemelha-se à explicação que os treinadores de futebol dão quando perdem os jogos. Tem sempre a ver com algo de estranho (o campo estava demasiado molhado, ou inclinado…) de exterior ao jogo (o árbitro, o patrão da federação, o irmão da sogra do dirigente…), de sorte (o poste, a bolsa excessivamente redonda, o jogador que escorregou), etc..
Mas  o que nos diz a história? Para isso vale a pena ler o extracto de um relatório consular do cônsul-geral em Copenhaga (Dinamarca): “A nossa sardinha tem-se desacreditado nêste mercado, por causa do pouco escrupulo d´uma parte dos nossos exportadores, em enviarem a mercadoria sem se preocuparem com uma perfeita apresentação e que seja conforme as amostras. Tem-se, repetidamente, cometido o abuso de oferecer um bom produto como amostra e depois fornecem as encomendas d`uma qualidade inferior e muitas vezes em mau estado. (…) É para lamentar também que os honestos e competentes fabricantes nunca se tivessem preocupado em fazer aqui qualquer reclame para acreditar as suas marcas, a exemplo do que fazem os franceses. É muito conhecido e afamado aqui o nome Philipe Carraud e outros, ao passo que do nosso paiz somente se conhece: SARDINHA PORTUGUESA, que para os dinamarqueses é sempre um artigo de inferior qualidade”.
Quem escreveu este extracto do citado relatório, denominado, “O Nosso Comércio Com a Dinamarca”, foi Ferreira dos Santos. Mas olhe, leitor, isto não é uma fuga de informação, não é um exemplo da nova diplomacia económica. Não é um relatório de 2003, 1992, ou 1967. Esta análise foi feita em 1926 !!!!!!
O que este texto mostra é que sempre uma ideia da estratégia a seguir. Mas também mostra de também sempre houve uma outra forma de fazer negócio. Isto é, de forma muito franca: não é possível a ninguém em Portugal fazer uma Nike, mas é possível fazer de Portugal o melhor fornecedor da Nike porque poderíamos fornecer tudo, desde o “design” até às plataformas logísticas passando pelo fabrico de produtos da multinacional norte-americana. E o exemplo não é espúrio nem é delirante. A Zara fá-lo a nível têxtil…
O nosso problema é sempre outro e que com cíclica fluência nos ataca. E a história relembra-o. Imaginámos que já somos ricos. Em 1893, Gerard du Perry escrevia na Revista das Alfândegas: “ a estas causas de estacionamento das industrias, de que resulta limitada e pouco perfeita producção accresce modernamente uma outra que com aquelles contribue para que o preço de custo do fabrico portuguez seja muito mais elevado do que nos países verdadeiramente industrializados. É o luxo. Luxo escusado nas edificações fabris e luxo insustentável na vida dos industriais em inteira desproporção com a modesta producção fabril”.
Texto publicado no Jornal de Negócios em 2003.

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