Para Alberto Castro a qualificação dos
recursos humanos é um recurso endógeno. O professor na Universidade Católica do
Porto e presidente do júri do Prémio Portugal PME, Alberto de Castro, 61 anos, não
deixa de fazer uma análise crítica, nomeadamente, no domínio da inovação.
Considera que subimos muito no ranking das despesas em inovação e apoios a
start-ups, “mas pouco, ou nada, no ranking dos resultados empresariais visíveis”
e, por isso, “há demasiado “folclore”, muito ruído, sem contrapartida
significativa no produto nacional e isso tem de mudar. Salienta que a principal
debilidade das PME é a qualidade da gestão, porque “nas empresas, manda quem
pode. E sabem? Mandam mas não lideram. Serão eternamente seguidores, a reboque
dos acontecimentos. Crescer de forma consistente implica alterar este estado de
coisas”.
Na
filosofia o prémio um dos objectivos é encontrar os hidden champions. Há muitas
PME campeãs escondidas?
AC- Por uma variedade de razões, há imensas.
Nuns casos, por questões de personalidade e discrição de quem gere. Noutros,
por razões de moda: as empresas não estão em actividades sexy ou a fazer aquilo que se convencionou deveria ser a
estratégia. Noutros, ainda, por estarem localizadas fora dos grandes centros ou
não terem uma política de comunicação e imagem.
Este
ano para o prémio, excepto nas categorias de start-ups e turnaround, foi
escolhida a fileira dos recursos endógenos. Qual foi o objectivo?
AC- Quando se reconhece a prioridade do
crescimento, não basta atender ao volume de negócios. É preciso olhar para o
valor acrescentado nacional da empresa ou da fileira em que a mesma se insere.
E se a sua base de produção são recursos endógenos, nossos, é provável que a
contribuição para o produto seja maior, mesmo que a actividade não vá até ao
fim da fileira. E importa, ainda, ter uma visão não conservadora do que são
recursos endógenos. Habitualmente, pensa-se em recursos naturais ou no turismo.
Mas na perspectiva que o júri adoptou, o brainware
é também um recurso endógeno patente, por exemplo, tanto nos serviços às
empresas ou na produção de software.
É preciso que ao discurso sobre a importância da qualificação dos recursos
humanos e da “geração mais qualificada” corresponda uma análise que valorize
esses aspectos.
Que
ideia lhe deixou este olhar sobre este conjunto de empresas? Encontraram-se
boas e promissoras empresas?
AC- O júri procurou empresas a que se pudesse
associar uma narrativa, com as quais se pudesse aprender, fossem as empresas
promissoras ou já com um largo passado. O que encontrámos, deixou-nos, não
diria satisfeitos, mas mais animados. Havia bastantes mais empresas que também
poderiam ter sido premiadas.
Há
muitos casos de turnarond?
AC- Há mais do que se pensa. Em Portugal, as
pessoas gostam pouco de falar do insucesso e era importante que o fizessem pois
aprende-se mais com os erros do que com o sucesso, quantas vezes aparente e
transitório. Estou, em qualquer caso, convencido que os casos de turnaround
aumentarão se Portugal for capaz de suster o impacto negativo desta crise. É
uma espécie de pescadinha de rabo na boca: se houver essa capacidade de dar a
volta o ecossistema empresarial contribuirá para que saiamos da recessão. Era
importante que tal sucedesse, evitando a perda de todo o capital social, em
relações e saber, de que muitas dessas empresas são portadoras. O que requer não
uma lógica proteccionista mas a criação de condições para que os direitos da
empresa prevaleçam sobre pretensos direitos individuais, nomeadamente nos casos
em que foi a má gestão que conduziu à empresa à situação em que está.
Surpreenderam-no
as start-ups?
AC- Aí é que a porca torce o rabo, se me é
permitida a expressão. Continuamos a ter resultados muito abaixo do que os
recursos afectados permitiriam antecipar. Subimos muito no ranking das despesas
mas pouco, ou nada, no ranking dos resultados empresariais visíveis. Talvez por
se pretender ser tão inovador que se aposta excessivamente em projectos
desgarrados do ADN do tecido produtivo português. Apostou-se demasiado na
ruptura e demasiado pouco na evolução. Como se costuma dizer, atiramos com
dinheiro para cima do problema e desenhámos mal o sistema de incentivos. É um
assunto que merece uma discussão aberta que não seja contaminada por
estereótipos. Há demasiado “folclore”, muito ruído, sem contrapartida
significativa no produto nacional e isso tem de mudar.
A
debilidade das PME é a qualidade de gestão
Quais
são os principais problemas das PME? Quais são as características das boas PME?
AC- Se tivesse de eleger uma debilidade
diria: a qualidade da gestão. Há problemas de custo de contexto, de
financiamento, de muitas outras coisas, mas o essencial é a qualidade dos
recursos humanos e, dentro destes, a qualidade dos que estão no topo, no
comando da empresa. As boas empresas têm tecnologia, têm organização, têm
produto, dão-se bem com a concorrência porque são bem geridas.
Refere-se
genericamente que as PME em Portugal têm falta de capital e de competências de
gestão? Que medidas se poderiam tomar para melhorar estes aspectos?
AC- A disciplina de mercado, a concorrência é
um excelente estímulo. Mas houve vários erros na concepção das políticas de
formação. Se queríamos, de facto, romper com o fado das baixas qualificações,
haveria que começar não por baixo mas por cima, fazendo um esforço para
melhorar as competências de gestão de muitos empresários de PME, desenhando
programas à medida, quer das pessoas quer das empresas, envolvendo formadores
experimentados. Tudo isso custa dinheiro. Muito mais do que as regras dos
fundos europeus permitem pagar. Optou-se por seguir as regras europeias.
Desperdiçou-se dinheiro. Nas empresas, manda quem pode. E sabem? Mandam mas não
lideram. Serão eternamente seguidores, a reboque dos acontecimentos. Crescer de
forma consistente implica alterar este estado de coisas.
Recentemente
um estudo do Banco de Portugal referia que as restrições do crédito explicam
grande parte da “destruição catastrófica de emprego” em 2009 e 2010. A situação
do crédito está hoje melhor que então?
AC- Tudo parece indicar que sim. Por um lado,
houve um conjunto de empresas que desapareceram. As que sobreviveram estão
melhor. Os bancos também parecem ter mais alguma folga. E para a conjuntura
económica internacional antecipa-se um desanuviamento. Não sei se pior mas não
muito melhor estará a situação das empresas dependentes do mercado interno e
que não actuam em sectores regulados ou protegidos.
O que
vai ficar desta crise, que parece ter sido inclemente para boas e más empresas,
em termos de PME?
AC- Depende do que se entende por boa
empresa. A empresa é como uma pessoa, muitas vezes o aspecto é bom mas a doença
mina-a. As empresas aprenderam que uma dependência excessiva de um produto ou
mercado é de evitar. Aprenderam a olhar para o mundo. Aprenderam que o
endividamento excessivo é perigoso, um erro que se pode pagar caro. Desde que
se não deslumbrem, e abrandem a sua transformação estrutural aos primeiros
sinais de recuperação, sairemos desta crise com uma base empresarial mais capaz
de enfrentar os actuais desafios económicos.
Um
extracto desta entrevista foi publicado Jornal de Negócios de 24 de Outubro de
2013. Esta entrevista foi feita enquanto presidente do júri do Prémio Portugal
PME atribuído pelo Jornal de Negócios
Sem comentários:
Enviar um comentário