Texto base da TEDx proferida na Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa em Setembro de 2012
O
poeta brasileiro, Ferreira Gullar, costuma chamar-lhe “Fernando Pessoas”. É uma
forma de incluir no seu nome os inumeráveis heterónimos que gerou tais como Álvaro
de Campos, Bernardo Soares, Ricardo Reis, e a diversidade de textos que
escreveu como O Livro do Desassossego, O Banqueiro Anarquista, A Mensagem, a
Tabacaria. E se hoje é um dos gigantes da literatura de língua portuguesa e um
dos cânones da literatura universal a sua curiosidade e reflexão espalharam-se
para além do domínio literário, propagaram-se pela filosofia, o esoterismo, a
economia. Preocupou-se com o que definia como “quotidiano e tributável”. Estudou numa escola comercial na África
do Sul e isso marcou muito do que fez profissionalmente. Trabalhou em muitos
escritórios da baixa lisboeta como correspondente estrangeiro em casas
comerciais, que, juntamente com a função de tradutor, acabaram por ser as suas
profissões principais. Foi sempre um profissional liberal pois como escreveu “odeio todo o trabalho imposto”
Publicitário
Uma
das suas actividades profissionais mais conhecidas é a sua prática publicitária
como este anúncio para a Coca-Cola publicado pelo Diário de Lisboa em 1927 e que diz “O refresco americano Coca-Cola: No primeiro dia: Estranha-se No quinto
dia: Entranha-se”. Curiosamente, a frase que ficou para a história foi a escrita
pelo Ricardo Jorge, director-geral da Saúde, então no âmbito do Ministério do
Interior, a 23 de dezembro de 1927 em que explicava as razões para a proibição:
“Nos anúncios com que se fez nos
periódicos propaganda da Coca-Cola, dizia-se: 'A princípio estranha-se, mas
depois entranha-se.' Um convite ao vício ou uma especulação com o vício.”
Lúdico
Este
indisciplinador intelectual tinha uma grande vontade empreendedora pois teve
uma gráfica, uma editora de livros, fez revistas, criou várias empresas de
comissões, foi inventor. Estes seus interesses tinham como objectivo, como ele
dizia, “organizar em perfeito
paralelismo a minha vida prática e a minha vida especulativa, de modo a que a
primeira nunca possa prejudicar a segunda, à qual está, por um dever mais alto,
subordinada”.
Como
dizia Richard Zenith, nos negócios interessavam-lhe mais pelo aspecto lúdico do
que pelo lucro mas era sempre empenhado. Numa carta à namorada Ofélia de 11 de
Junho de 1920 queixa-se: “querem, em,
geral, que eu faça tudo – que eu, além de ter as ideias e indicar a maneira de as
organizar, me ocupe também de arranjar os capitais e de fazer quanto mais for
preciso para por a empresa em marcha”.
Podemos
dizer a partir das suas ideias económicas que Fernando Pessoa tinha um
concepção liberal da economia defendendo a concorrência e o mercado. O seu
programa de desenvolvimento para Portugal assentava na industrialização, nas
exportações e na organização.
Aliás
tem num manuscrito uma frase lapidar sobre as empresas e estas “existem para um fim comercial, de lucro;
não para um fim moral ou filantrópico”, que soa a Milton Friedman…
Industrialização
Em
1919 publicou num jornal sidonista em que participava na gestão, A Acção, um
texto intitulado Como Organizar Portugal em que surgia como defensor da
industrialização, um pouco contra as ideias dominantes mais agrárias e
comerciais, mas numa época em que se deu um surto de industrialização.
Dizia
que “Como se trata de um país atrasado,
e todos os países atrasados são predominantemente agrícolas, é evidente que a
única transformação profissional a fazer, e que preenche todas as condições
exigidas, é a industrialização sistemática do país. Educação simultaneamente da
inteligência e da vontade, transformador ao mesmo tempo da mentalidade geral e
do atraso material do país, o industrialismo sistemático, sistematicamente
aplicado, é o remédio para as decadências de atraso, é, portanto, o remédio
para o mal de Portugal”. No seu espólio encontra-se um texto incompleto
sobre a política industrial.
Estado
Apesar
disso, tinha uma grande desconfiança em relação ao Estado:
“Economicamente o
Estado é um mito. O Estado administra sempre mal. O Estado drena a energia particular”
“De todas as coisas “organizadas”, é o
Estado, em qualquer parte ou época, a mais mal organizada de todas. E a razão é
evidente”
Porque
para Pessoa a administração de Estado não deveria passar da “da estrita actividade fiscal e tributária que só ao Estado compete,
porque só ao Estado pode competir” mas o Estado deveria evitar a
administração de comércios ou indústrias.
Exportações
Além do que escreveu, por exemplo, na
Revista de Comércio e Contabilidade, são inúmeros os textos, os relatórios, as
notas e os apontamentos existentes no espólio sobre o tema do comércio de
importações e exportações, o que também tem a ver com a sua ligação profissional
a este universo. E esta preocupação era tão mais vincada pelo facto de
considerar que
“ A
exportação portuguesa é, em relação ao que poderia ser ou tornar‑se, pequena, mal orientada, e mal
coordenada. Nem há concorrência interna, o que significaria
actividade intensa entre os exportadores individuais, nem cooperação nacional
entre eles”. E ainda hoje o peso das exportações no
PIB é baixo, cerca de 34% contra 80% na Bélgica ou 90% na Irlanda.
Os seus textos sobre esta temática têm a
particularidade de serem tanto sobre projectos de organização empresarial
virados para os mercados externos, em que muitas vezes chegam à minúcia da
organização por departamentos, como reflexões sobre o serviço a prestar aos
clientes, o marketing e do próprio packing. Desce ao detalhe de
mencionar “o aperfeiçoamento das
embalagens”, passando pela ideia de que a empresa exportadora devia
comercializar os seus produtos “sob
marcas próprias”. De facto, nesta época, as exportações portuguesas eram
sobretudo de produtos alimentares, nomeadamente vinhos correntes e vinho do
Porto, com a agravante de serem vendidos a granel, ou seja, as exportações
nacionais tinham um baixo teor de transformação industrial, com muito pouco
valor acrescentado.
Por exemplo, “A essência do comércio” é
quase uma aula moderna de marketing com a sua insistência do “foco no cliente”. “Um comerciante, qualquer que seja, não é mais que um servidor do
público, ou de um público (…) Ora toda a gente que serve, deve, parece‑nos, agradar a quem serve. Para isso é preciso estudar a quem se serve (…)
temos que ver é como eles efectivamente pensam, e não como é que nos seria
agradável ou conveniente que eles pensassem”.
Num dos textos “Bases para a formação de
uma empresa de produtos portugueses”, imagina uma empresa que funcionasse como
um agrupamento de várias empresas com o objectivo de ter capacidade de
exportação e de implantação nos mercados internacionais, as empresas
estabelecer-se-iam “gradualmente no
estrangeiro, e começando pelas principais cidades, lojas para a venda directa
ao público de produtos portugueses”.
Organização
Pessoa reflecte, aliás fá‑lo com alguma
minúcia, sobre os preceitos práticos da boa gestão e da excelência empresarial
e o cerne da sua preocupação
é a organização, o que não deixa de ser interessante porque é hoje provavelmente
uma das principais causas para as nossas dificuldades, a tão decantada
competitividade do país.
Para
Fernando Pessoa a organização era mais do que um processo tecnológico e um
conjunto de procedimentos. A sua visão ia para o que hoje chamamos gestão. Como
dizia Fernando Pessoa “a
organização é, por sua natureza, um fenómeno intelectual, um trabalho de
inteligência. A referida “indústria de organização” é, portanto, uma indústria
intelectual”, que podemos supor que seria a
consultoria e na época em que escrevia estas palavras era fundada nos Estados
Unidos a McKinsey, a consultora de estratégia mais relevante.
E
noutro texto diz “organizar é,
essencialmente, um fenómeno intelectual. Há muitas coisas que se executam por
palpite, imensas que se fazem empiricamente, pelo hábito e a experiência. Mas a
organização estável, ou seja a organização propriamente dita, é um trabalho de
inteligência”.
No
texto processo de organização escreveu que “sistemas, processos, móveis, máquinas, aparelhos são — como todas as
coisas mecânicas e materiais — elementos puramente auxiliares. O verdadeiro
processo é pensar; a máquina fundamental é a inteligência…”
O
texto como se organiza uma trading: “nós,
os portugueses, não temos uma tradição comercial; não somos, portanto,
naturalmente e instintivamente comerciantes. Sendo assim, temos de compensar
essa deficiência com uma aplicação da inteligência — com a organização,
portanto”
Conclusão
Se alguma lição de actualidade
se pode retirar destes textos de Pessoa é a sua insistência na inteligência
(que é educação, que é formação, que é discernimento, que é ciência, que é
subir na cadeia de valor, que é…) como principal recurso estratégico para o
nosso desenvolvimento.