A Gestão faz parte da vida, portanto nada
do que é a vida lhe é estranho. Não é, pois, de surpreender que surjam cada vez
mais ideias e livros que procuram basear no desporto, na culinária, na arte, as
lições e os exemplos para melhorar essa arte-ciência-magia que é a gestão de
empresas (utilizamos empresa no sentido amplo: é mais do que uma organização, é
tudo aquilo que se presta à acção).
O desporto é uma mina de ouro de
metáforas para os gestores porque se fala de concorrência, competição, equipa,
jogo, vitória, risco, pressão. Em Portugal há o exemplo clássico de José Mourinho que se tornou uma fonte inesgotável para conferências, cursos, workshops, teses de doutoramento sobre liderança e coaching em que se faz uma (nem sempre) sábia maionese de teorias de
gestão, psicologia comportamental e futebol. Em Espanha também surge nas mesmas esferas mas tendo sempre o contraponto de Josep Guardiola, ex-treinador do Barcelona.
O futebol e Brasil são indissociáveis,
por isso não surpreende que dois ex-quadros superiores de O Boticário, Eloi
Zanetti e Rogério Gusso, fizessem um livro ligando o futebol e a gestão (o que
em Portugal se poderia chamar um oxímoro), ou seja, como é que o futebol dos
relvados – porque o dos bastidores não é exemplo para ninguém - pode ajudar na
prática empresarial. O objectivo é fazer com que algumas metáforas futebol sejam
entendidas como conceitos análogos da moderna administração. Por exemplo, hoje
no futebol moderno são importantes as chamadas “jogadas ensaiadas” (que não se
reduzem às denominadas “jogadas a partir da bola parada”); também nas empresas
é importante ter equipas preparadas para negociar, para prever os passos para
os concorrentes, porque no jogo ou no mercado, o risco, a incerteza e o
imprevisto são dados incontornáveis.
Há, porém, outras práticas que podem ser
as ‘best practices’ que encantam qualquer decisor. Um dos êxitos editoriais
mais inesperados nos últimos tempos é Kitchen
Confidential, e publicado em Portugal pela D. Quixote. Além de ter frequentado
a lista de best-sellers da Business Week,
rendeu ao seu autor, o chef Anthony Bourdain, uma entrevista na Harvard Business Review. O grande tema
do livro e da entrevista é que «na cozinha está-se em crise permanente», ou
seja, por muito planeamento e organização que se tenha, vive-se sempre no fio
da navalha. Para Anthony Bourdain há sobretudo duas razões para o sucesso do
livro: “a cozinha é uma das últimas verdadeiras meritocracias, em que cada um é
julgado inteiramente pela sua performance profissional. É também um dos últimos
sítios profissionais politicamente incorrectos onde cada um pode dizer o que
quiser em qualquer momento sem se considerar um comportamento a interditar como
nos outros negócios”. Ou, como diria Belmiro de Azevedo, que quer ser um gestor
politicamente incorrecto: “podemos ser agressivos uns com os outros na Sonae.
Quando se é polido em excesso, corre-se o risco de a mensagem não passar como
deve. Um grau correcto de pressão é importante. Não conheço ninguém que tenha
batido recordes nos treinos”.
Há duas décadas que Peter Drucker dizia
que uma grande organização de sucesso teria de parecer uma orquestra. Se a
música em acto, clássica ou ‘jazz’, é facilmente admitida como uma disciplina
inspiradora de métodos e formas de gestão, há outras formas artísticas, menos
óbvias é certo, que podem contribuir para melhorar alguns aspectos da gestão.
Para o coreógrafo Mark Morris, que define o seu trabalho de um modo singular –
“o meu trabalho não é para todos, é para alguém” - a dança e o mundo dos
negócios utilizam as formas criativas de um modo muito semelhante porque “a
forma mais comum de criatividade é a solução de problemas”.
Entrevista com Mark Morris, «Genius at Work», Harvard
Business Review, Vol. 79, nº 9, Outubro de 2001
«Management by Fire: A Conversation with Chef Anthony
Bourdain, Vol. 80, nº 7, Julho de 2002.
Eloi
Zanetti e Rogério Gusso, «Administração, Futebol e Cia», Negócio Editora, 2002.
Anthony Bourdain, Kitchen Confidential: Adventures in
the Culinary Underbelly, Ecco Press, 2001
Filipe S. Fernandes
Publicado
no Diário Económico em 2002 na coluna o Estado do Saber que era partilhada com
Helena Garrido. Actualizado no parágrafo em que se refere a José Mourinho.