quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

A qualificação dos RH é um recurso endógeno

Para Alberto Castro a qualificação dos recursos humanos é um recurso endógeno. O professor na Universidade Católica do Porto e presidente do júri do Prémio Portugal PME, Alberto de Castro, 61 anos, não deixa de fazer uma análise crítica, nomeadamente, no domínio da inovação. Considera que subimos muito no ranking das despesas em inovação e apoios a start-ups, “mas pouco, ou nada, no ranking dos resultados empresariais visíveis” e, por isso, “há demasiado “folclore”, muito ruído, sem contrapartida significativa no produto nacional e isso tem de mudar. Salienta que a principal debilidade das PME é a qualidade da gestão, porque “nas empresas, manda quem pode. E sabem? Mandam mas não lideram. Serão eternamente seguidores, a reboque dos acontecimentos. Crescer de forma consistente implica alterar este estado de coisas”.

Na filosofia o prémio um dos objectivos é encontrar os hidden champions. Há muitas PME campeãs escondidas?
AC- Por uma variedade de razões, há imensas. Nuns casos, por questões de personalidade e discrição de quem gere. Noutros, por razões de moda: as empresas não estão em actividades sexy ou a fazer aquilo que se convencionou deveria ser a estratégia. Noutros, ainda, por estarem localizadas fora dos grandes centros ou não terem uma política de comunicação e imagem.
Este ano para o prémio, excepto nas categorias de start-ups e turnaround, foi escolhida a fileira dos recursos endógenos. Qual foi o objectivo?
AC- Quando se reconhece a prioridade do crescimento, não basta atender ao volume de negócios. É preciso olhar para o valor acrescentado nacional da empresa ou da fileira em que a mesma se insere. E se a sua base de produção são recursos endógenos, nossos, é provável que a contribuição para o produto seja maior, mesmo que a actividade não vá até ao fim da fileira. E importa, ainda, ter uma visão não conservadora do que são recursos endógenos. Habitualmente, pensa-se em recursos naturais ou no turismo. Mas na perspectiva que o júri adoptou, o brainware é também um recurso endógeno patente, por exemplo, tanto nos serviços às empresas ou na produção de software. É preciso que ao discurso sobre a importância da qualificação dos recursos humanos e da “geração mais qualificada” corresponda uma análise que valorize esses aspectos.
Que ideia lhe deixou este olhar sobre este conjunto de empresas? Encontraram-se boas e promissoras empresas?
AC- O júri procurou empresas a que se pudesse associar uma narrativa, com as quais se pudesse aprender, fossem as empresas promissoras ou já com um largo passado. O que encontrámos, deixou-nos, não diria satisfeitos, mas mais animados. Havia bastantes mais empresas que também poderiam ter sido premiadas.
Há muitos casos de turnarond?
AC- Há mais do que se pensa. Em Portugal, as pessoas gostam pouco de falar do insucesso e era importante que o fizessem pois aprende-se mais com os erros do que com o sucesso, quantas vezes aparente e transitório. Estou, em qualquer caso, convencido que os casos de turnaround aumentarão se Portugal for capaz de suster o impacto negativo desta crise. É uma espécie de pescadinha de rabo na boca: se houver essa capacidade de dar a volta o ecossistema empresarial contribuirá para que saiamos da recessão. Era importante que tal sucedesse, evitando a perda de todo o capital social, em relações e saber, de que muitas dessas empresas são portadoras. O que requer não uma lógica proteccionista mas a criação de condições para que os direitos da empresa prevaleçam sobre pretensos direitos individuais, nomeadamente nos casos em que foi a má gestão que conduziu à empresa à situação em que está.
Surpreenderam-no as start-ups?
AC- Aí é que a porca torce o rabo, se me é permitida a expressão. Continuamos a ter resultados muito abaixo do que os recursos afectados permitiriam antecipar. Subimos muito no ranking das despesas mas pouco, ou nada, no ranking dos resultados empresariais visíveis. Talvez por se pretender ser tão inovador que se aposta excessivamente em projectos desgarrados do ADN do tecido produtivo português. Apostou-se demasiado na ruptura e demasiado pouco na evolução. Como se costuma dizer, atiramos com dinheiro para cima do problema e desenhámos mal o sistema de incentivos. É um assunto que merece uma discussão aberta que não seja contaminada por estereótipos. Há demasiado “folclore”, muito ruído, sem contrapartida significativa no produto nacional e isso tem de mudar.


A debilidade das PME é a qualidade de gestão
Quais são os principais problemas das PME? Quais são as características das boas PME?
AC- Se tivesse de eleger uma debilidade diria: a qualidade da gestão. Há problemas de custo de contexto, de financiamento, de muitas outras coisas, mas o essencial é a qualidade dos recursos humanos e, dentro destes, a qualidade dos que estão no topo, no comando da empresa. As boas empresas têm tecnologia, têm organização, têm produto, dão-se bem com a concorrência porque são bem geridas.
Refere-se genericamente que as PME em Portugal têm falta de capital e de competências de gestão? Que medidas se poderiam tomar para melhorar estes aspectos?
AC- A disciplina de mercado, a concorrência é um excelente estímulo. Mas houve vários erros na concepção das políticas de formação. Se queríamos, de facto, romper com o fado das baixas qualificações, haveria que começar não por baixo mas por cima, fazendo um esforço para melhorar as competências de gestão de muitos empresários de PME, desenhando programas à medida, quer das pessoas quer das empresas, envolvendo formadores experimentados. Tudo isso custa dinheiro. Muito mais do que as regras dos fundos europeus permitem pagar. Optou-se por seguir as regras europeias. Desperdiçou-se dinheiro. Nas empresas, manda quem pode. E sabem? Mandam mas não lideram. Serão eternamente seguidores, a reboque dos acontecimentos. Crescer de forma consistente implica alterar este estado de coisas.
Recentemente um estudo do Banco de Portugal referia que as restrições do crédito explicam grande parte da “destruição catastrófica de emprego” em 2009 e 2010. A situação do crédito está hoje melhor que então?
AC- Tudo parece indicar que sim. Por um lado, houve um conjunto de empresas que desapareceram. As que sobreviveram estão melhor. Os bancos também parecem ter mais alguma folga. E para a conjuntura económica internacional antecipa-se um desanuviamento. Não sei se pior mas não muito melhor estará a situação das empresas dependentes do mercado interno e que não actuam em sectores regulados ou protegidos.

O que vai ficar desta crise, que parece ter sido inclemente para boas e más empresas, em termos de PME?
AC- Depende do que se entende por boa empresa. A empresa é como uma pessoa, muitas vezes o aspecto é bom mas a doença mina-a. As empresas aprenderam que uma dependência excessiva de um produto ou mercado é de evitar. Aprenderam a olhar para o mundo. Aprenderam que o endividamento excessivo é perigoso, um erro que se pode pagar caro. Desde que se não deslumbrem, e abrandem a sua transformação estrutural aos primeiros sinais de recuperação, sairemos desta crise com uma base empresarial mais capaz de enfrentar os actuais desafios económicos.


Um extracto desta entrevista foi publicado Jornal de Negócios de 24 de Outubro de 2013. Esta entrevista foi feita enquanto presidente do júri do Prémio Portugal PME atribuído pelo Jornal de Negócios

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