“Vale tudo para vencer” disse uma
vez José Mourinho, então ainda treinador de futebol do F. C. do Porto, na
ressaca de uma embriagante série de vitórias. Com a tentação que existe de tudo
extrapolar qualquer “slogan” em lições de negócios, estaria aqui um excelente
mote para uma palestra numa empresa com as equipas comerciais em crise de
vendas, défice de confiança ou falta de motivação. Haverá sempre vencedores sem
escrúpulos, mas como é óbvio o mundo dos negócios e das empresas não se
constrói unicamente de Átilas que tudo fazem para vencer ou que todos os meios
servem para se chegar a determinados fins. Por que, no fim do século XIX,
muitos dos bancos que então abriam portas eram feitos com dinheiro do
“negreiros”, os traficantes de escravos que operavam entre as costas de Áfricas
e as Américas, ou facto por que hoje um banco poder ter sido apoiado com
dinheiro desviado do Fundo Social Europeu, isso não implica que todos os bancos
tenham tido uma matriz suspeita, ou que todos estejam sob suspeição. Mas já não
é normal que se viva no universo financeiro e empresarial numa constante
suspeita e desconfiança tanto dos seus códigos comportamentais como dos
princípios éticos, morais e deontológicos.
É nesta altura que emerge a
proverbial desconfiança sobre os homens de negócios, conceito que subsume as
faunas de gestores, empresários e empreendedores. Já na Grécia antiga se
valorizava o ócio, meio de chegar ao conhecimento de si próprio e se comunicava
com os outros, se fazia política e discutia filosofia, e se desprezava os
negócios que se consideravam actividades com ausência de Sentido. Um bom
exemplo desta forma de ver o mundo das actividades económicas vem de Viktor
Frankl, um médico e psicoterapeuta que passou pelos campos de concentração, e
que conta na suas memórias, O
Homem em Busca de um Sentido, que numa dada altura um dos capatazes o
invectivou severamente e, depois de o insultar com tudo o que se lembrou, lhe
disse a dada altura: “acabo contigo em dois dias! Nunca na vida soubeste o que
é trabalhar. O que é que tu eras, porco? Um homem de negócios?”.
“Os seus valores e os seus
princípios teriam sido os mesmos se estivesse na liderança da Mafia ou da
General Motors”, disse, um dia, Salvatore Bonnano referindo-se ao pai, um dos
mais famosos “capos” da Mafia, Joe “Bananas” Bonnano. Este tipo de
aproximação é similar à famosa expressão de que “negócios são negócios”, que
era na opinião da filósofa Hanna Arendt uma confissão de amoralidade do mundo
dos negócios. Como escreveu a filósofa em Homens
em tempos sombrios, a partir de Hermann Broch, “o verdadeiro poder de
sedução, a força sedutora da figura do Demónio é antes de mais um fenómeno
estético. Estético no sentido mais amplo do termo; os homens de negócios cujo
credo é ‘Negócios são negócios’ e os estadistas que proclamam ‘a guerra é a
guerra’ são literatos estetizantes no ‘vazio de valores’. São estetas na medida
em que a harmonia do seu próprio sistema os encanta, e tornam-se assassinos
porque estão dispostos a sacrificar tudo a essa harmonia, a essa ‘bela’
coerência”. Este adágio do mundo das empresas, de tão repetido e aceite,
torna-se de facto uma espécie de identificador de um tipo de personagens que à
ética dizem nada.
Na racionalidade moderna, o homem de
negócios personifica, melhor, encarna na perfeição o que se chama “razão
instrumental”, entendia como a realização dos fins por qualquer meio. O que
leva muitas vezes a gestos de alguma radicalidade como acontece com C. B.
Whiting, em Empire Falls de Richard Russo, que ao herdar uma
fábrica de camisas, que era a maior empregadora numa terreola no estado no
Maine, decide encerrá-la e partir para o México onde pretendia escrever poesia.
Mas a descoberta da empresa há cerca
de 150 anos foi uma ideia revolucionária e hoje podemos dizer que muitas das técnicas
de gestão são comuns e praticáveis em qualquer tipo de regime político e de
estratégia empresarial. Enfim, a gestão é mais uma tecnologia do que uma
ideologia. Além disso, hoje quase todos os projectos de sociedade assumem o
“risco” como um valor cardinal, a iniciativa privada como motor de progresso
económico e social e o empresário e empreendedor como figuras da modernidade.
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