Os milionários, e
sobretudo os milionários americanos, que são popularmente os típicos, não
gozam, em geral, de uma celebridade entusiástica. Do género de consideração que
recebem dos que lhes são alheios, é exemplo cómico aquela frase com que
Chesterton abre um dos seus contos: «Quer-me parecer que há uma centena de
novelas policiárias que começam com a descoberta de que foi assassinado um
milionário americano, acontecimento que, por qualquer motivo, é tido como uma
espécie de desgraça».
Esta falta de afeição
pública é derivada, na sua quase totalidade, da normal inveja humana a quem é
muito rico, ou muito poderoso, ou muito inteligente. A inveja, porém, decresce,
porque se, altera com a admiração, na proporção em que o invejante tem
consciência da impossibilidade de atingir a situação do invejado. É difícil o
homem qualquer supor-se capaz de uma celebridade ou, posição que assente na
superioridade intelectual; pode, é certo, negar essa superioridade intelectual,
mas então o que inveja não é já inteligência que nega, mas a posição ou
celebridade, que não pode negar. É mais fácil, mas ainda difícil, supor-se um
qualquer capaz de uma celebridade de poder; embora atribua a conquista desse
poder a qualidades em si mesmas inferiores, como o servilismo ou a hipocrisia,
tem que convir consigo, contra vontade, que o servilismo teve que ser firme e a
hipocrisia hábil para conseguirem esse fim. O que ele inveja, portanto, sem que
o queira ou confesse, não é o poder conquistado, mas a firmeza, ainda que
servil, e a habilidade, ainda que hipócrita, com que esse poder se conquistou.
O caso do dinheiro é
inteiramente diferente. O dinheiro é, aparentemente, um fenómeno externo e
ocasional, e a fortuna que aquele acumulou em anos de trabalho paciente ou
inteligente, pode este igualá-la numa grande noite de roleta, num desvairamento
feliz a Bolsa, num bilhete único da lotaria. Estes casos, porém, são excepções,
nem os ministra a realidade senão para o fim clássico de provarem a regra. As
fortunas assim feitas, rapidamente estão desfeitas: o que o vento trouxe, o
vento o leva. Não assentando num acto de inteligência ou de vontade, não há
inteligência que as defenda nem vontade que as possa conservar.
O facto é que as grandes
fortunas, quando não sejam hereditárias são quase sempre efeito, em sua origem,
de um poderoso exercício da vontade ou da inteligência, e particularmente
daquela espécie prática da vontade que estabelece uni só fim e dele se não
desvia, ou daquela espécie prática da inteligência que consiste na vigilância
das oportunidades e no seu aproveitamento imediato. Mais tarde, sim, no
desenvolvimento da fortuna, podem entrar outros elementos, mas a vontade ou inteligência
original constantemente resguarda e defende o que originalmente criou.
Os milionários são, por
trás do dinheiro, homens, e à parte esse dinheiro, têm as qualidades e os
defeitos que tinham quando o não tinham. Se havia neles, ingenitamente, uma forte
tendência filantrópica, será absurdo que se esqueçam de a realizar quando a
podem realizar sem dificuldade. A dureza, a implacabilidade, que miticamente se
atribuem aos grandes financeiros, são efeito, não do dinheiro, mas da luta; são
comuns a eles e aos lutadores por dinheiro que nunca o alcançaram. Conheço
pequenos lojistas, caixeiros de praça, donas de casa, que, em virtude da luta
comum pelo dinheiro, têm a mesma dureza, a mesma implacabilidade, que o
protagonista do Les affaires sont les affaires. O fundo moral é o mesmo; o que
a estes falta é o golpe de vista, a inteligência penetrante, a imaginação
construtiva; o que estes não atingem e a riqueza e a posição a que, com esse
fundo, essas qualidades levam; o de que estes não sofrem é da visibilidade
dessa posição.
In O que um milionário
americano fez em Portugal-A Colónia Infantil Macfadden em S. João do
Estoril